INTRODUÇÃO
A realização do Estágio Supervisionado (ES) dos cursos de licenciatura no Ensino Remoto Emergencial (ERE) pode configurar um dos maiores desafios da formação inicial. Com a pandemia causada pelo novo coronavírus, Sars-CoV-2, as atividades educacionais, tanto do Ensino Superior como da Educação Básica, ficaram restritas às tecnologias digitais. Essa nova realidade trouxe consigo especificidades que exigiram readequação da prática pedagógica.
A distância física entre professor e estudante pode comprometer a qualidade do ensino, mas ao transitar por caminhos que possibilitem que o estudante ocupe uma posição de responsável por sua aprendizagem, pode ser a chave para superar as limitações impostas pelo distanciamento, assim como, estabelecer pilares, em especial, para o ensino de Ciências, em qualquer tempo e espaço.
Dessa forma, o desenvolvimento de um ensino que possibilite a autonomia dos estudantes no entendimento de fenômenos da natureza deve ser um importante objeto de investigação. Dessa maneira, defendemos a adoção de abordagens que tornem possível a implementação desses aspectos, ou seja, que viabilize meios para otimizar o processo de ensino e de aprendizagem dentro ou fora do contexto pandêmico.
Partindo desse pressuposto, acreditamos que o Ensino por Investigação (EnI) possa contribuir para situações de aprendizagem que valorize o protagonismo estudantil e o desenvolvimento do pensamento científico, especialmente em situações que envolvam questões científicas como as apresentadas durante a pandemia. Além disso, lidar com essas questões durante a formação docente inicial pode contribuir para a construção de uma identidade profissional pautada na criticidade, reflexão e pesquisa. Essa postura pode contribuir para enxergar o que não está dando certo, o que está e o que pode melhorar dentro do lócus de atuação.
Sendo assim, o presente trabalho busca responder a seguinte pergunta: de que maneira é possível desenvolver um ensino investigativo em tempos de pandemia? Dessa maneira, objetivo geral é analisar a construção e aplicação de um ensino investigativo durante as atividades de Estágio Supervisionado em uma turma de 6º ano de uma escola do nordeste brasileiro.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Segundo as concepções de Pimenta e Lima (2006, p. 7) o Estágio Supervisionado (ES) se caracteriza “[...] como uma atitude investigativa, que envolve a reflexão e a intervenção na vida da escola, dos professores, dos alunos e da sociedade”. Nesse sentido, o ES oferece elementos, seja de forma presencial ou não, para desenvolvimento da práxis e articulação teoria e prática aplicada aos diferentes contextos.
Carvalho e Gil-Pérez (2011) apontam que a pesquisa é uma necessidade formativa do professor, mas que embora esses sujeitos sejam os beneficiados diretos da pesquisa, nem sempre a realizavam. Diante desse pressuposto, o ES como atitude investigativa assume um papel fundamental para formar um docente pesquisador, ainda mais por que o professor de Ciências tem como objeto de ensino a própria investigação para resultar no conhecimento científico (CARVALHO; GIL-PÉREZ, 2011).
Tardif (2000, p. 21) expressa a seguinte problemática:
Na universidade, temos com muita frequência a ilusão de que não temos práticas de ensino, que nós mesmos não somos profissionais do ensino ou que nossas práticas de ensino não constituem objetos legítimos para a pesquisa. Esse erro faz que evitemos os questionamentos sobre os fundamentos de nossas práticas pedagógicas, em particular nossos postulados implícitos sobre a natureza dos saberes relativos ao ensino. Não problematizada, nossa própria relação com os saberes adquire, com o passar do tempo, a opacidade de um véu que turva nossa visão e restringe nossas capacidades de reação.
Partindo dessa ideia, é evidente a necessidade da práxis na profissão docente, onde o professor enquanto sujeito pesquisador deve utilizar de arcabouço teórico para fundamentar sua prática e refletir sobre considerando a realidade do contexto. Pimenta e Lima (2006, p. 16) afirmaram que a teoria deve “[...] oferecer aos professores perspectivas de análise para compreenderem os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais e de si mesmos como profissionais, nos quais se dá sua atividade docente, para neles intervir, transformando-os.”
Alinhando essa concepção com a pesquisa no ES, esta deve ser desenvolvida de modo a promover o confronto da prática e ação pedagógica problematizadas com explicações com o fundo de pano teórico, chegando às finalidades educativas. (PIMENTA; LIMA, 2006).
Nesse contexto que surgiu a pandemia causada pelo novo coronavírus, Sars-CoV-2, o ES no Ensino Remoto Emergencial (ERE) possibilita o encontro com uma realidade particular que exige da escola “[...] ressignificar seus processos pedagógicos, principalmente, em relação à transição da modalidade presencial, substituída mesmo que, temporariamente, pela online” (OLIVEIRA, CORRÊA; MORÉS, 2020, p. 5).
Nesse cenário, Moreira, Henriques e Barros (2020) destacam que é papel do professor motivar, criar recursos, avaliar aprendizagem, dinamizar e provocar interações de forma online, além de possibilitar que o estudante aprenda a aprender.
Como resultado desse processo, concordamos com Ribeiro (2021, p. 9) que espera “[...] Um ensino “anfíbio”, que consiga se aproveitar dos recursos melhores daqui e dali, diante da necessidade de transitar, transigir e, sempre, aprender, inclusive dando o braço a torcer, quando pertinente”. Para assim, explorar as possibilidades que qualifiquem o ensino em diferentes ambientes.
Partindo dessas ideias, tem-se o Ensino por Investigação (EnI) como alternativa para o Ensino de Ciências e Biologia que atenda às necessidades atuais e para desenvolver o ES como espaço para pesquisa. Sasseron (2018, p. 1068) destaca cinco elementos dessa abordagem didática, que são:
[...] o papel intelectual e ativo dos estudantes; a aprendizagem para além dos conteúdos conceituais; o ensino por meio da apresentação de novas culturas aos estudantes; a construção de relações entre práticas cotidianas e práticas para o ensino; a aprendizagem para a mudança social.
Dos cinco elementos destacados pelas autoras, o primeiro ganha particular relevância dentro do contexto de distância entre professor e estudante, onde este deve assumir papel ativo na construção do conhecimento.
Pedaste et. al (2015) propuseram o ciclo investigativo com os elementos chaves do EnI, sendo eles: orientação, com estímulo e pergunta de investigação; conceituação, com as questões e hipóteses; investigação, podendo ser experimental ou exploratória; conclusão; e discussão, composta pela comunicação e reflexão. Da mesma maneira, Trivelato e Tonidandel (2015) destacaram eixos que devem compor uma proposta investigativa, que foram: proposição de um problema; trabalho com dados; dados iniciais; levantamento de hipóteses; construção de afirmações; e metodologias de investigação.
O principal ponto de similaridade das propostas dos autores supracitados é a presença de um problema de investigação. É importante destacar a proposição da pergunta ou problema investigativo, pois ele deve oferecer condições, assim como o material didático utilizado, para que seja possível chegar a uma resolução (CARVALHO, 2013).
Segundo Cardoso e Scarpa (2018, p. 1026) a utilização do EnI se justifica pois “o processo de construção de conhecimento científico é complexo e, por isso, é necessário que haja formas pedagógicas de trabalhar essa complexidade no ambiente escolar. Nesse sentido, Santana e Mota (2020, p. 5) defendem que o EnI é “uma ferramenta a favor da promoção de uma aprendizagem que contemple os conteúdos científicos, bem como os aspectos e processos que resultam nesses conteúdos, viabilizando meios para aprender a ciência e aprender sobre ciência”.
Ainda, se faz necessário estabelecer conexões com o cotidiano dos sujeitos. Quanto a isso, Santos, Conceição e Mota (2019, p. 10) destacam que “pensar em alternativas investigativas na prática pedagógica, não é uma tarefa fácil para o professor”, mas os autores constataram que ao conectar a atividade com a realidade dos estudantes apresentou uma maior eficácia.
Ademais, Scarpa e Campos (2018, p. 34) destacam que
[...] é necessário que os processos de formação propiciem aos (futuros) professores compreender e se apropriar das formas de fazer ciência, assim como de abordagens pedagógicas diferentes da tradicional aula expositiva e que incluam possibilidades de interações dos estudantes com os objetos de conhecimento e entre os pares.
Nesse sentido, tendo em vista que o estágio ocorre durante a formação inicial, pode ser a oportunidade ideal para a apropriação dos saberes e práticas pedagógicas apontados pelas autoras.
Scarpa e Campos (2018) e Sasseron (2015) trazem concepções acerca de como o EnI pode oferecer condições para o desenvolvimento da Alfabetização Científica (AC), principalmente pensando nos eixos aprender conceitos, aprender a construção dos conceitos e relacionar Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA). Sendo assim, ao ter a AC como objetivo de ensino, este deve promover situações em que os estudantes estabeleçam contato com o conhecimento científico, bem como sua epistemologia e aplicação.
Scarpa, Sasseron e Silva defendem que
Os três eixos estruturantes podem ser considerados como marcos para o planejamento de cursos e aulas, e considerar os objetivos do ensino de ciências como compreensão dos três eixos estruturantes da AC implica em ampliar e aprofundar a visão dos estudantes sobre o que é a ciência e o seu papel na sociedade, contribuindo para a construção de raciocínio, de conhecimento e de tomada de posição.
Diante do exposto, é importante olhar para o desenvolvimento do ES como espaço para desenvolver pesquisas, em especial as voltadas para o ensino de Ciências, com a proposição de abordagens como o EnI com uma postura investigativa, crítica e reflexiva que podem colaborar com a aprendizagem.
METODOLOGIA
A metodologia adotada para a realização da pesquisa foi a abordagem qualitativa (BOGDAN; BIKLEN, 1994), buscando compreender o fenômeno tal onde ocorreu, do tipo exploratória (GIL, 2008) diante fato do Ensino por Investigação (EnI) ser pouco explorado na esfera de Ensino Remoto Emergencial (ERE).
O instrumento de coleta de dados escolhido foi a observação participante, caracterizada por Gil (2008, p. 103) “[...] como a técnica pela qual se chega ao conhecimento da vida de um grupo a partir do interior dele mesmo”. A pesquisa foi desenvolvida dentro do contexto de Estágio Supervisionado (ES) de um curso de licenciatura em Ciências Biológicas de uma universidade do nordeste brasileiro durante o segundo semestre do ano 2021.
Para a coleta de dados, optamos pela observação participante de uma proposta de EnI planejada e aplicada pela estagiária observante para estudantes da escola campo do estágio durante o primeiro semestre de 2021. O público-alvo foram estudantes do 6ºano do Ensino Fundamental da Educação Básica. A realização da atividade se deu por meio da plataforma de vídeo conferência google meet em uma aula compreendida em 50 minutos tendo como temática a doença COVID-19 seguindo o plano de aula (Quadro 1).
Quadro 1 – Plano de aula 1.
Conteúdo |
Vírus: características da doença Covid-19, estrutura viral e ação do sabão sobre ela, diversidade dos vírus. |
Objetivo |
Desenvolver habilidades investigativas; compreender por que as ações preventivas são importantes; compreender a estrutura básica de um vírus; entender por que o vírus não é considerado ser vivo e por que precisa de uma célula. |
Metodologia |
No momento síncrono, iniciar perguntando o que eles sabem sobre a COVID-19, após isso, apresentá-la como uma doença viral, seu modo de transmissão, sintomas e prevenção. Com isso dar início a investigação do seguinte problema: Por que lavar as mãos com água e sabão previne a contaminação pelo vírus causador da doença COVID-19? Para resolução do problema a aula terá continuidade com imagens e informações sobre as estruturas virais e suas funções, em especial o envelope viral de natureza lipídica dando enfoque que a perda dessa estrutura é capaz de inativar o vírus. Posteriormente, indagar os estudantes sobre o que poderia destruir esse envelope de gordura. Por fim, retomar o problema, apresentar outros vírus e doenças ressaltando a importância da vacina por meio dos exemplos poliomielite e sarampo, encaminhar atividade da semana sobre a resolução do problema. |
Recursos |
Google meet, slide e WhatsApp. |
Avaliação |
Participação na aula e devolutivas. |
Fonte: Autoras, 2021.
A partir dessa aula descendeu uma nova atividade investigativa com o mesmo público em uma aula nas mesmas circunstâncias da anterior (Quadro 2).
Quadro 2 – Plano de aula 2.
Conteúdo |
Bactérias: célula procarionte, importância para saúde humana, indústria alimentícia e meio ambiente, doenças bacterianas. |
Objetivo |
Desenvolver habilidades investigativas; compreender que a maioria das bactérias são benéficas; compreender o que é célula procarionte; entender a importância de medidas de higiene para evitar a cárie e outras doenças bacterianas. |
Metodologia |
Iniciar a aula síncrona apresentando o que são as bactérias com imagem de uma célula procarionte. Apresentar as perguntas: No nosso corpo tem bactérias? Todas as bactérias são ruins? Levantar hipóteses dos estudantes e reproduzir vídeo “Bactérias: o que são? onde vivem? o que fazem?” -https://www.youtube.com/watch?v=WqrkP7QTDQQ&t=117s com elementos para responder as perguntas e sistematizar as ideias. Concluir a aula enfatizando as bactérias “boas” e “ruins” e encaminhar a atividade da semana. |
Recursos |
Google meet, YouTube e WhatsApp. |
Avaliação |
Participação na aula e devolutivas. |
Fonte: Autoras, 2021.
Os planos de aula dispostos nos quadros foram estruturados a partir de elementos do Ensino por Investigação presentes na literatura trazida na fundamentação teórica e serão apresentados de forma detalhada nos resultados e discussão.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A atividade investigativa proposta foi estruturada nas seguintes etapas do Ensino por Investigação (EnI): (i) introdução à investigação; (ii) apresentar o problema de investigação; (iii) oferecer elementos para resolução do problema; (iv) retomada do problema e sistematização das ideias; e (v) estimular futuras investigações (Quadro 3).
Quadro 3 – Etapas da atividade investigativa sobre vírus.
Introdução à investigação |
Perguntar o que eles conhecem sobre COVID-19 e apresentar informações de transmissão, sintomas e prevenção. |
Apresentar o problema de investigação |
Por que lavar as mãos com água e sabão previne a contaminação pelo vírus causador da doença COVID-19? |
Oferecer elementos para resolução do problema |
Aula expositiva sobre as estruturas virais e suas funções, em especial o envelope viral de natureza lipídica dando enfoque que a perda dessa estrutura é capaz de inativar o vírus. |
Retomada do problema e sistematização das ideias |
Indagar os estudantes sobre o que poderia destruir esse envelope de gordura. Solicitar que respondessem ao problema com as próprias palavras e enviassem por WhatsApp. |
Estimular futuras investigações |
Através da apresentação de doenças como a poliomielite e o sarampo e a relação destas com a vacinação e por meio de elementos possivelmente levantados pelos próprios estudantes. |
Fonte: Autoras, 2021.
A aula teve início com indagações sobre o que era a COVID – 19, doença causada pelo vírus, Sars-CoV-2, foi notável, talvez devido a repercussão da doença, que os estudantes possuíam um conhecimento prévio vasto sobre a temática com respostas associando a um vírus mortal, a sintomas respiratórios, falta de ar, causa da pandemia e com relação a transmissibilidade. Após isso, foi apresentado a COVID-19 como uma doença viral, seu modo de transmissão, sintomas e prevenção, inclusive a higienização das mãos com água e sabão.
A escolha da temática surgiu da necessidade de atender as demandas sociais da atualidade, além disso, “explorar os temas fazendo conexões com o cotidiano dos estudantes ou com os debates presentes na mídia é uma forma de gerar interesse levando ao envolvimento afetivo necessário ao engajamento nas atividades.” (SCARPA; CAMPOS, 2018, p. 33). Essa etapa inicial é importante para introduzir o problema de investigação, funcionando como um estímulo e verificação das concepções prévias (CARDOSO; SCARPA, 2018).
Além disso, de acordo com o ciclo investigativo proposto por Pedaste et. al (2015) considerando a fase de orientação proposta pelos autores, essa etapa compreende o estímulo à curiosidade por meio do problema e deve iniciar a situação de ensino investigativo.
Pensando nisso, foi apresentado o seguinte problema: Por que lavar as mãos com água e sabão previne a contaminação pelo vírus causador da doença COVID-19? Surgiram hipóteses sobre o vírus sair pela característica de limpeza do sabão, porque conferia proteção e por alguns sabonetes matarem 99% das bactérias, nesse momento foi perguntado aos estudantes se o vírus era a mesma coisa que bactéria, eles se mostraram confusos em relação a isso, mas mais a frente na aula essa dúvida foi esclarecida.
Conforme o exposto, o problema proposto nessa atividade investigativa pode ser caracterizado como não experimental, onde de acordo com Carvalho (2013) não é necessário a experimentação para sua resolução. Para Carvalho (2018, p. 767) “[...] é o problema proposto que irá desencadear o raciocínio dos alunos e sem liberdade intelectual eles não terão coragem de expor seus pensamentos, seus raciocínios e suas argumentações”.
Dessa forma, para realização do EnI é imprescindível a proposição do problema, assim como o papel ativo dos estudantes na sua resolução, como na etapa de levantar as hipóteses. Trivelato e Tonidandel (2015) apontam o papel das hipóteses no EnI tanto para o estudante como também para o professor, isso porque é a partir das hipóteses que os estudantes vão se mobilizar para tentar responder o problema com base em suas concepções prévias e estas oferecem ao professor elementos para intervir da melhor maneira.
Partindo do princípio de que o EnI deve aproximar o sujeito da cultura científica, de maneira que ele possa levantar suas próprias hipóteses e chegar as suas próprias conclusões ao se deparar com fenômenos científicos (CARVALHO, 2011), é imprescindível que essas etapas estejam presentes em uma proposta investigativa.
Posteriormente, a aula teve sequência com a apresentação de uma imagem apresentada em um slide com informações sobre as estruturas virais, suas funções e porque se diferenciavam das bactérias por não serem considerados seres vivos. Foi dado enfoque no envelope viral de natureza lipídica ressaltando que a perda dessa estrutura é capaz de inativar o vírus.
O material didático produzido e apresentado foi a fonte de dados para resolução do problema, onde os estudantes utilizaram as imagens e informações expostas para chegar as suas conclusões sobre a pergunta. O EnI traz essa possibilidade por ser possível colocá-lo “em prática nas mais distintas aulas, sob as mais diversas formas e para os diferentes conteúdos” (SASSERON, 2015, p. 28), desde que o estudante participe ativamente.
Carvalho (2013) coloca que o material didático é basilar para a o EnI, pois é ele que deve oportunizar a resolução do problema, a autora destaca o uso de materiais com imagens, notícias, reportagens quando o problema for do tipo não experimental.
Segundo Trivelato e Tonidandel (2015), o trabalho com os dados é uma etapa característica da Natureza da Ciência que deve compor as propostas investigativas no ensino de Biologia, mas para que os sujeitos possam compreender os dados, é necessário o entendimento de conceitos. Assim, se tratando de um contato inicial dos estudantes com a temática, se fez necessário explorar as estruturas e características virais.
Após isso, foram feitos questionamentos a fim de utilizar o conhecimento sobre a estrutura viral com a utilização do sabão para inativar o vírus e assim levar a sistematização das ideias. O que poderia destruir esse envelope de gordura? Foi dado um tempo para que eles refletissem, depois foi levantado outro questionamento: Como vocês fazem para limpar uma panela gordurosa? Os estudantes unanimemente responderam que usam água e sabão, então foi perguntado: vocês acham que o sabão também pode destruir a gordura do vírus e esse destruir o que vai acontecer?
Com isso, o problema foi retomado e eles conseguiram argumentar que o sabão era capaz de destruir o revestimento de gordura do vírus e assim não poderia entrar na célula e se reproduzir. De acordo com Pedaste et. al (2015) é na etapa de investigação que os dados precisam ser coletados e interpretados para que o problema possa ser retomado para sua resolução e construção da etapa posterior, que é a conclusão das questões e das hipóteses surgidas no processo.
Carvalho (2013) pontua que é importante um texto de sistematização para analisar o entendimento dos estudantes sobre o processo e conclusão da investigação em uma linguagem formal. Partindo dessa concepção, a avaliação se deu por meio da entrega da atividade da semana em que eles tiveram que escrever com as próprias palavras por que lavar as mãos com água e sabão é importante na prevenção da doença COVID-19.
Ao final da aula, surgiram dúvidas e discussões sobre o uso do álcool e sobre ele ressecar a pele, sobre a pandemia da peste negra, sobre se o câncer era transmitido, dentre outras questões. Por fim, foram apresentados outros vírus e doenças ressaltando a importância da vacina por meio dos exemplos da poliomielite e do sarampo.
Cardoso e Scarpa (2018, p. 1028) destacam que a “[...] investigação realizada pode levar à geração de outros problemas ou questões a serem resolvidos na investigação corrente ou em outras subsequentes”. Isso foi possível, pois a curiosidade sobre as bactérias foi um fator interessante que desencadeou outra atividade investigativo em aula posterior. A aula sobre bactérias seguiu as mesmas etapas da anterior (Quadro 4).
Quadro 4 – Etapas da atividade investigativa sobre bactérias.
Introdução à investigação |
Apresentação da imagem e das características das bactérias comparando com o vírus evidenciando que são coisas diferentes. |
Apresentar o problema de investigação |
No nosso corpo tem bactérias? Todas as bactérias são ruins? |
Oferecer elementos para resolução do problema |
Vídeo sobre o surgimento das bactérias, seus benefícios e as doenças causadas por uma minoria desses organismos, com isso questionei sobre a importância das bactérias iniciando um momento de discussão. |
Retomada do problema e sistematização das ideias |
Retomar o problema e realizar questionamentos durante a discussão do vídeo |
Estimular futuras investigações |
Através da apresentação de doenças bacterianas e por meio de elementos possivelmente levantados pelos próprios estudantes. |
Fonte: Autoras, 2021.
A aula teve início com a apresentação das estruturas bacterianas por meio de imagens, onde foi possível solicitar aos estudantes que comparassem com a estrutura viral com a finalidade de evidenciar as diferenças que fazem com que o vírus não seja considerado um ser vivo e a bactéria sim.
Esse primeiro momento pode ser caracterizado como o estímulo à investigação (CARDOSO; SCARPA, 2018; PEDASTE et. al, 2015), assim como uma aproximação com a Natureza da Biologia, visto que essa ciência tem como uma das bases epistemológicas a observação e comparação (SCARPA; SILVA, 2013), ou seja, muitos conhecimentos biológicos são construídos por meio de práticas observativas e comparativas.
Objetivando um ensino que busque envolver os estudantes no processo de Alfabetização Científica (AC), é importante promover situações de ensino em que eles tenham contato com a epistemologia da ciência, tendo em vista que esse é um dos eixos da AC propostos por Sasseron e Carvalho (2011).
O restante da aula partiu do seguinte problema: No nosso corpo tem bactérias? Todas as bactérias são ruins? Nesse caso, o problema investigativo também foi do tipo não experimental (CARVALHO, 2013).
Um estudante respondeu que no corpo humano existiam bactéria e que todas eram ruins, ainda mostrou uma ferida na perna que o médico diagnosticou como infecção bacteriana, o relato foi aproveitado para conversar sobre a importância de higienizar lesões para evitar infecções.
Em síntese, a maioria dos estudantes concordaram com as hipóteses do colega de que o corpo humano tem bactérias e que todas elas fazem mal, poucos estudantes defenderam a ideia de que apenas algumas bactérias causavam malefícios. Sendo assim, as hipóteses levantadas mostraram as concepções prévias equivocadas. Contudo, esse fato não foi discutido para que eles chegassem as próprias conclusões com a realização da investigação. Para isso, foi disponibilizado o material para que realizassem o teste de suas hipóteses.
O material diádico escolhido foi um vídeo sobre o surgimento das bactérias, seus benefícios e as doenças causadas por uma minoria desses organismos, com isso foi questionado sobre a importância das bactérias iniciando um momento de discussão e houve uma mudança de respostas unanime sobre o fato de as bactérias serem ou não todas prejudiciais. Demonstrando, assim, que este atendeu ao propósito de oferecer condições para que o problema fosse resolvido (CARVALHO, 2013)
Em seguida, foram dados exemplos da aplicação das bactérias na saúde, no alimento e no ambiente de forma complementar ao vídeo; e como a cárie é formada, o que causa as infecções intestinais, evidenciando a necessidade da escovação e limpeza dos alimentos, respectivamente, além de dar outros exemplos de doença bacteriana. Esse momento partiu do pressuposto de atender aos eixos da AC propostos por Sasseron e Carvalho (2011) de compreender conceitos científicos e relacionar Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CSTA).
Ao visualizar a atividade proposta partindo das concepções de Trivelato e Tonidadel (2015), Scarpa e Silva (2013) e Santos, Conceição e Mota (2019) de que a implementação de atividades investigativas apresenta dificuldades. Propor o Ensino por Investigação no contexto de Ensino Remoto Emergencial lida com dificuldades adicionais particulares desse cenário.
Mas esse não deve ser um fator para ignorar adequação da abordagem a essa nova realidade, até porque agora mais do que nunca deve haver um esforço coletivo e direcionado para viabilizar meios de um ensino remoto de qualidade que atenda às necessidades educacionais, em especial do Ensino de Ciências. Moreira, Henriques e Barros (2020) ponderam que diante desse contexto o trabalho docente não deve se restringir ao caráter transmissivo, mas sim assumir o papel de estimular o desenvolvimento da autoaprendizagem e autonomia dos estudantes.
Além disso, segundo Oliveira, Corrêa e Morés (2020, p. 5) a prática pedagógica no ERE também deve se preocupar em “[...] abordar elementos ligados ao cotidiano dos alunos, discutindo inclusive a situação de pandemia vivida, de maneira a explorar a dimensão educativa, pedagógica e científica”. Ribeiro (2021, p. 7) traz a seguinte reflexão:
Se a experiência de uma virada repentina e compulsória, dadas as condições sanitárias, foi abrupta, a saída dessa experiência não será. O retorno ao que vêm chamando de “novo normal” ou mesmo de “falso normal” será lento, gradual, até amedrontado. Caso não consigamos compreender, de fato, o que é uma pandemia, o que é um vírus, como ele age, o que são vacinas, o que são tratamentos e protocolos médicos, em especial nas aulas de ciências que cabulamos, não teremos condições de compreender o que isso tem a ver com nossas vidas, no futuro próximo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Antes de qualquer consideração é importante chamar atenção para alguns fatores influenciadores da proposta investigativa. O primeiro deles é o fato de ter sido planejada e aplicada por uma licencianda em formação inicial com pouca experiencia na utilização dessa abordagem didática. O segundo diz respeito ao seu desenvolvimento em um contexto de Ensino Remoto Emergencial (ERE) o que implica em limitações espaço, tempo e comunicação.
Apesar das limitações impostas por tais fatores, é possível inferir que esse relato pode contribuir de três maneiras: para a formação inicial do curso de licenciatura de Ciências Biológicas, para o Ensino por Investigação no ensino de Ciências e Biologia, e para a reflexão acerca da profissão docente e da prática pedagógica.
Em primeiro lugar, para olhar as atividades de Estágio Supervisionado de regência para realização de pesquisas e articulação de teoria e prática. Ao longo da graduação, muitas vezes o docente em formação participa de grupos de extensão e de pesquisa, de pesquisas educacionais e das próprias disciplinas da matriz curricular. Desse modo, é esperado o desenvolvimento de habilidades para a articulação desses saberes com a prática, ou seja, a aplicação deles na sua realidade de atuação em diferentes contextos. Considerando esse aspecto, o Estágio Supervisionado é o ambiente ideal para essa articulação.
Em segundo lugar, pode contribuir para exploração das potencialidades que o Ensino por Investigação (EnI) pode oferecer para o ensino de Ciências e Biologia, mesmo no contexto remoto. Pode-se dizer que a abordagem EnI vem ocupando espaço de tendência para o ensino de Ciências por trazer a possibilidade de desenvolver a Alfabetização Científica e valorizar a autonomia dos estudantes.
Nesse sentido, é de grande relevância utilizar o espaço de estágio para articular o que está sendo pesquisado e publicado sobre EnI com a realidade de ensino, seja presencial ou remota, para investigar de que forma pode contribuir e a melhor maneira de ser utilizada.
E a terceira, é a provocação para novas investigações sobre a temática por meio da reflexão acerca da atuação docente. Provocar os professores a repensar práticas e a desenvolver habilidades inerentes à pesquisa de maneira que resulte em um fazer pedagógico que contribua de maneira mais positiva possível na vida do estudante, de toda comunidade escolar e consequentemente sociedade.
REFERÊNCIAS
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