A avaliação da aprendizagem desempenha um papel importante no contexto escolar, sendo fundamental em todo processo educativo. É um componente didático da ação pedagógica que permite ao professor avaliar, diagnosticar e acompanhar o desenvolvimento dos discentes, assim como mediar a construção e ampliação de saberes, apontando e redirecionando caminhos que possibilitem resultados satisfatórios. Portanto, a sua prática requer planejamento e tomada de decisão que garantam aprendizagens significativas, visto que, é preciso a intervenção do educador durante o percurso.
Mediante ao exposto, a avaliação é necessária na sala de aula, pois, tem intenções direcionadas para a melhoria das aprendizagens dos educandos, considerando as particularidades de cada um, além de permitir ao docente refletir sobre suas práticas. Vale destacar que a avaliação está articulada ao Projeto Político Pedagógico (PPP) que serve de orientação para as ações de aprendizagem.
Contudo, estudos que focalizam esta temática afirmam que o ato de avaliar ganhou uma dimensão seletiva na prática escolar, não sendo desenvolvido de acordo com suas funções, comprometendo assim, a dinâmica de ensino/aprendizagem e a relação educador/educando.
As primeiras aproximações com o tema se deram a partir do componente curricular Avaliação em Educação, ofertado no quarto semestre do curso de Pedagogia, cujas discussões teóricas contribuíram significativamente para reflexões, bem como desmistificação de seu significado visto que na maioria das vezes é compreendida como um ato de selecionar, aprovar ou reprovar os educandos.
O aprofundamento nas leituras possibilitou o alargamento da visão para capturar os sentidos e importância do ato de avaliar no espaço educativo, assim como, os impactos que poderiam causar na formação dos sujeitos escolares se for praticada de forma equivocada.
Em razão disso, fomos instigadas a pesquisar esta temática para conhecer mais e discutir percepções e práticas atuais em sala de aula, tendo em vista que é neste ambiente heterogêneo que professores medeiam conhecimentos, desenvolvem planejamentos e contribuem com a construção de saberes dos estudantes. Nesse sentido, o período de estágio curricular nos anos iniciais do ensino fundamental foi essencial para o desenvolvimento da pesquisa, visto que possibilitou experiências significativas e contato direto com o objeto de estudo.
A pesquisa foi norteada pela seguinte questão de investigação: Quais percepções de avaliação orientam as práticas pedagógicas de docentes dos anos iniciais do ensino fundamental? Teve como objetivo principal analisar percepções e práticas de professores sobre avaliação da aprendizagem escolar. Importa dizer que este estudo trata-se de um recorte de pesquisa apresentada como trabalho de conclusão do curso de Pedagogia da Universidade do Estado da Bahia (UNEB/Campus VIII), em fevereiro de 2021.
O presente trabalho apoiou-se em estudos de Luckesi (2002; 2011; 2014); Hoffmann (2005; 2010; 2011); Esteban (2014); Villas Boas (2011), entre outros que trazem contribuições pertinentes acerca da avaliação, e busca contribuir com as reflexões apresentadas no decorrer deste estudo por meio de concepções teóricas e percepções docentes sobre avaliação da aprendizagem.
2 METODOLOGIA
O percurso metodológico ocorreu por meio de uma organização sistemática tendo como primeira etapa o levantamento bibliográfico que permitiu conhecer os principais estudos já realizados acerca da avaliação da aprendizagem escolar. A revisão de literatura é fundamental, uma vez que se caracteriza como o primeiro movimento para conhecer a situação atual do objeto de estudo, bem como, os aspectos mais discutidos a respeito do problema (LAKATOS e MARCONI, 2010).
Após a revisão de literatura consideramos pertinente ir a campo para observar e conhecer como ocorre a prática da avaliação na sala de aula. A modalidade utilizada foi o estudo de caso, estratégia de pesquisa que trata com profundidade o fenômeno investigado, sendo uma de suas características, a possibilidade de descoberta de novos elementos a partir do olhar atento do investigador (LAKATOS e MARCONI, 2010).
A abordagem da pesquisa é de natureza qualitativa, visto que “[…] trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos, e os fenômenos que não podem ser reduzidos e operacionalização de variáveis” (MINAYO, 2001, p. 22). Diante disso, a nossa intenção foi observar o fenômeno em sua realidade, sem atribuir aspectos quantitativos que estabelecem limitações entre o objeto e o pesquisador.
O estudo foi desenvolvido na Escola Municipal Casa da Criança 1, localizada no Município de Paulo Afonso, em uma turma de 5° ano, composta por 23 discentes e 04 docentes, contudo, serão destacadas percepções sobre avaliação de apenas 02 professoras. A escolha por esta instituição como único local de pesquisa foi em função do estágio curricular de anos iniciais do ensino fundamental que em sua ocasião possibilitou a visualização de questões ligadas à temática de modo mais evidente.
Os recursos utilizados para a coleta de dados foram observação direta, diário de campo e questionário. A observação direta, de acordo com Lakatos e Marconi (2010), “[…] é uma técnica de coleta de dados para conseguir informações e utiliza os sentidos para a obtenção de determinados aspectos da realidade” (p.190). Em razão disso, nos permitiu visualizar manifestações e movimentos a partir da visão e da audição, contudo, foi preciso analisá-los e interpretá-los para uma maior compreensão.
Gil (2002) salienta que o questionário é uma técnica de investigação que abrange um conjunto de questões acerca do que pretendemos conhecer. Com isso, buscamos saber como as professoras compreendem a avaliação da aprendizagem, e outros aspectos que envolvem sua prática.Todavia, sabemos que respostas através desse instrumento podem não expressar o que as pessoas realmente pensam ou praticam, sendo assim, foi imprescindível a observação citada anteriormente.
Por fim, partimos para a etapa de análise de dados que consiste em analisar os materiais obtidos no decorrer da pesquisa. Tal ação permitiu a organização, seleção, relação de aspectos mais relevantes, entre outros (LUDKE e ANDRÉ, 1986). Os dados foram categorizados por temas e analisados de acordo com a análise de conteúdo apresentada por Bardin (2009) cuja interpretação, além de considerar aspectos objetivos, inclui também aspectos da subjetividade dos sujeitos envolvidos.
3 AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: PRESSUPOSTOS, CONTEXTOS E CONCEPÇÕES
A denominação avaliação da aprendizagem foi incluída na legislação educacional brasileira com a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB n° 9.394/96), sendo que as leis antecedentes ainda utilizavam conceitos voltados para a prática de exames. Apesar de ser objeto de discussão no contexto escolar e de produções científicas contemporâneas, as práticas avaliativas atuais são regidas por influências pedagógicas iniciadas há aproximadamente 400 anos (LUCKESI, 2011).
A história da educação esclarece que por volta do século XVI e início do século XVII sistematizou-se a pedagogia tradicional centrada na transmissão do conhecimento e na figura do docente cujas ações pedagógicas eram autoritárias, baseadas em castigos físicos, utilizando os exames escolares para a classificação, além disso, era estabelecido o modo de aprender para todos os estudantes, negando assim, a diversidade. Têm-se como exemplos do modelo tradicional as pedagogias jesuíticas e comenianas (LUCKESI, 2011).
A prática escolar denominada avaliação da aprendizagem surgiu com a escola moderna e ganhou força na sociedade burguesa, a qual, excluía e marginalizava as pessoas que não atendiam aos padrões estabelecidos. Com o crescimento econômico resultante da modernidade outras demandas surgiram e, para atender as necessidades da sociedade, ocorreu a sistematização da educação cuja intenção não era apenas a capacitação de sujeitos para os trabalhos, mas possuir controle social (LUCKESI, 2011).
Kraemer (2005) afirma que a avaliação encontra-se por trás de um mito “[...] decorrente de sua caminhada histórica, sendo que seus fantasmas ainda se apresentam como forma de controle e de autoritarismo por diversas gerações” (p. 9). Assim sendo, o que se observa em salas de aula do século XXI são práticas sentencivas arraigadas nos dizeres e fazeres docentes que confundem a avaliação com exames escolares, usando esses elementos para manter os estudantes sob ameaças de reprovação. Desta forma, embora se nomeie avaliação, o que ocorre são procedimentos de exclusão.
Importa dizer que a avaliação da aprendizagem foi assim denominada, em 1930, por Ralph Tyler. O pesquisador a defendia como uma forma eficiente para o processo de ensino, com isso, tinha a pretensão de mudar a prática examinatória para a prática de avaliação. Entretanto, apesar de ser reconhecida como necessária nas ações pedagógicas voltadas para o crescimento dos educandos, prevaleceram as mesmas práticas seletivas através de exames escolares (LUCKESI, 2002).
A palavra avaliar, originada do latim a-valere, significa atribuir valor a alguma coisa. No entanto, “atribuir valor”, na perspectiva da avaliação da aprendizagem, é, na verdade, atribuir qualidade. Ou seja, não está relacionada à atribuição de notas e conceitos, tendo em vista que não é seletiva (LUCKESI, 2002). O autor afirma que a avaliação “[...] configura-se como um ato de investigar a qualidade do desempenho dos educandos, tendo por base dados relevantes, decorrentes de sua aprendizagem, e se necessário, numa intervenção, a fim de corrigir os rumos da ação” (p. 265), desse modo, esses dados servem para a tomada de decisão.
Nesse sentido, a concepção de avaliação diagnóstica estabelece bases para uma tomada de decisão, ou seja, o diagnóstico requer dos educadores a tomada de decisão frente às situações observadas, visando sempre a melhoria da aprendizagem dos educandos.
3.1 SOBRE CONCEPÇÕES E PRÁTICAS EM AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM
A avaliação da aprendizagem é concebida por Luckesi (2002) como um ato amoroso, “[...] um ato que acolhe atos, ações, alegrias e dores como eles são; acolhe para permitir que cada coisa seja o que é, neste momento” (p.171). Por ser um ato amoroso, a avaliação tem o sentido de incluir o educando no processo de aprendizagem, não está baseada em julgamentos, pois, distanciam o estudante da dinâmica de ensino/aprendizagem.
Para Villas Boas (2011), a avaliação tem um sentido formativo, “[...] é um processo planejado. Dele, fazem parte a postura do professor diante do trabalho pedagógico e do estudante, assim como procedimentos/instrumentos variados” (p. 34). Na concepção da autora, a avaliação formativa visa a aprendizagem de docente e discentes, e finaliza no último encontro, ou seja, quando encerra o ano letivo. Esse tipo de avaliação ocorre diariamente e contrapõe-se à avaliação somativa que dá destaque a notas.
Em Hoffmann (2005), a concepção de avaliação mediadora intenciona “[...] promover melhores oportunidades de desenvolvimento aos alunos e de reflexão crítica da ação pedagógica, a partir de desafios intelectuais permanentes e de relações afetivas equilibradas” (p.23). Para tanto, o professor precisa oportunizar experiências significativas para o desenvolvimento dos estudantes, ao mesmo tempo em que reflete sobre suas ações.
Além disso, é necessário favorecer a interação e as relações afetivas entre docente/discente, discente/discente. Isso demonstra a importância das relações interpessoais na dinâmica do ensino/aprendizagem. A mediação afetiva trata-se da forma de intervenção que o professor adota nas situações recorrentes na sala de aula, considerando o movimento do educando e suas manifestações, sejam elas silenciosas ou não (HOFFMANN, 2005). Vale esclarecer que o processo da avaliação mediadora ocorre em três tempos: tempo de admiração, reflexão e reconstrução.
No tempo de admiração, a intenção é conhecer e acolher o estudante em sua totalidade, vivências, histórias, entre outros. O conhecimento da vida do estudante fora do ambiente escolar contribui para que as ações pedagógicas validem os saberes prévios de cada sujeito; é importante conhecer o contexto social em que aluno está inserido; esse tempo precisa acontecer no cotidiano escolar (HOFFMANN, 2005).
O tempo de reflexão corresponde
[...] ao conjunto de idéias (sic), sentimentos e possibilidades de ações futuras que afloram quando o professor pára (sic) e pensa sobre como seus alunos estão se manifestando em relação às tarefas e situações de aprendizagem (HOFFMANN, 2005, p. 45-46).
Por essa visão, o docente atua como um pesquisador que reflete sobre as manifestações dos estudantes frente às situações de aprendizagem, pois, para assegurar as condições de aprendizagem é fundamental conhecer, compreender, interpretar e refletir acerca das diferentes formas de aprender. Cada educando constrói seu conhecimento a partir do que vê, escuta e entende; isso ocorre de forma singular.
Por fim, a reconstrução “[...] é o tempo da transformação, do compromisso com a criação, tempo de fazer diferença sobre a vida que desejamos para as futuras gerações” (HOFFMANN, p. 74). Nesse tempo, as decisões se convertem em ações, sendo assim, a avaliação significa “[...] uma ação ampla que abrange o cotidiano do fazer pedagógico e cuja energia faz pulsar o planejamento, a proposta pedagógica e a relação entre todos os elementos da ação educativa” (HOFFMANN, 2005, p.17).
A partir do exposto, compreendemos que a avaliação não ocorre de forma isolada. São vários fatores envolvidos, entre eles, o planejamento. Não é possível mediar conhecimentos sem planejar ações a serem desenvolvidas, pois, ensinar exige compromisso e responsabilidade com a aprendizagem dos alunos. Nesse contexto, cabe mencionar a importância do Projeto Político Pedagógico que “[...] deve ser o plano que dirige todas as atividades numa escola, sejam elas pedagógicas ou administrativas [...]” (LUCKESI, 2011, p. 25).
No contexto escolar, a prática da avaliação da aprendizagem revela uma concepção “classificatória”. Como o próprio nome expressa, tem como finalidade a classificação dos indivíduos. Esta prática tradicional é considerada por educadores como indicador de qualidade de ensino, servindo como demonstração de “competências” desenvolvidas pelos estudantes (HOFFMANN, 2010). Nesse sentido, as competências são reconhecidas por meio de notas escolares.
Assim como Hoffmann (2005), Esteban (2014) alerta que “[...] as políticas públicas para a educação fortalecem a perspectiva classificatória quando consolidam um processo de avaliação baseado em provas estandardizadas e estabelecem sanções a partir dos resultados” (p. 226). Tais ações expressam equívocos em razão das notas – sejam elas altas ou baixas –não representarem confirmação de aprendizagens, podendo ser apenas memorização.
Em vista disso, a avaliação torna-se um objeto que limita os saberes de educandos, permitindo acesso a uns e “expulsando” outros do processo escolar. Dessa maneira, tem como finalidade a aprovação ou reprovação. Abandonar a concepção classificatória do processo avaliativo não é tarefa fácil “[...] devido ao fato de que, a avaliação, por si, é um ato amoroso e a sociedade na qual está sendo praticada não é amorosa e, daí vence a sociedade e não a avaliação” (LUCKESI, 2002, p. 171).
3.2 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS E AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM
Apesar das várias discussões acerca da avaliação como recurso de ampliação de conhecimentos envolvendo as pessoas que aprendem e o processo de ensino-aprendizagem, na prática percebemos que há uma valorização do quantitativo. Dessa forma, ocorre o afastamento do diálogo e reflexão tão necessárias para a melhoria e construção de saberes (ESTEBAN, 2014).
Na perspectiva quantitativa, as aprendizagens passam a ser compreendidas através de aspectos expostos em instrumentos de coleta de dados para avaliação, termo usado por Luckesi (2014) para representar os meios técnicos que os professores utilizam para obtenção de dados, sejam eles provas escritas, testes, questionários, entre outros, que, em sua maioria, não são percebidos pelos docentes como pontos de investigação que levam à tomada de decisão, reduzem, assim, a capacidade cognitiva dos estudantes em aspectos quantificáveis.
A partir do exposto, é oportuno falar sobre instrumentos de coleta de dados. Como vimos anteriormente, nas escolas são frequentemente chamados de avaliação, o que contribui para desenvolver nos educandos uma aversão à avaliação da aprendizagem, pois, carregam consigo marcas negativas de experiências classificatórias. No entanto, suas aplicações não deveriam ser determinantes de verdades absolutas, mas sim, pontes para investigação e interpretação tanto da percepção do estudante acerca de determinados assuntos quanto da ação docente (HOFFMANN, 2010).
O instrumento de coleta de dados é um dos meios pelos quais o professor avalia o processo de aprendizagem do estudante, não para julgá-lo, mas para auxiliá-lo. Eles podem servir para diagnóstico, dependendo da conduta pedagógica do docente. Para Hoffmann (2005), “[...] não há como determinar métodos ou instrumentos que sejam ideais, muito menos se basear na realidade objetiva das práticas observáveis, uma vez que concorre, em grande parte, a subjetividade do educador” (p. 34).
Os aspectos subjetivos de cada aluno devem ser considerados, entendendo que os mesmos métodos e instrumentos não funcionam de igual maneira para todos. Não se pode dizer que o discente não aprende só porque em determinado instrumento ele não apresenta uma resposta esperada pelo professor. Um dos equívocos da prática docente está em utilizar tais instrumentos como indicador de saberes, daí inicia-se o processo de exclusão.
É possível perceber que o interesse pela classificação não é apenas por parte do sistema educacional, instituições de ensino e professores. Os pais também exigem que os filhos tirem notas boas para que sejam aprovados. Na realidade, estão sempre preocupados que os filhos passem de ano, visam sempre à progressão na série, querem que sejam melhores que os outros, por vezes, incentivam a competição dentro de casa e na escola.
Com base nas concepções dos autores, observamos que a avaliação da aprendizagem teve seu sentido distorcido, suas funções substituídas por práticas avaliativas autoritárias que não contribuem para o desenvolvimento da aprendizagem. Tais práticas
[...] são minas espalhadas por nossas escolas. Detonam a toda hora e mutilam o desejo de aprender de crianças e jovens. Despertam sentimentos de opressão, de insegurança, de injustiça, de exclusão pelas sentenças de fracasso escolar. Não é esse o sentido da avaliação (HOFFMANN, 2005, p.37).
Percebemos assim, a contradição existente no contexto educativo uma vez que ao invés de promover a construção de conhecimentos e permitir a participação do estudante nessa ação, utilizam-se práticas autoritárias que congelam o diálogo e provocam o distanciamento dos educandos de seu processo de aprendizagem, promovendo a classificação e contribuindo para a desistência desses sujeitos do espaço escolar.
4 PERCEPÇÕES DA AVALIAÇÃO NOS DIZERES E PRÁTICAS DOCENTES
Com as concepções teóricas apresentadas na fundamentação deste estudo, foi possível perceber que as discussões em torno da avaliação ocorrem, na maioria das vezes, em razão das tentativas de definição do sentido primordial de sua prática no processo educativo (HOFFMANN, 2011).
Dessa maneira, fez-se necessário conhecer, também, suas concepções na visão de docentes que estão em constante contato com este componente do ato pedagógico. Assim sendo, nessa seção discutiremos dados obtidos a partir da observação direta e questionários direcionados para as educadoras. Para tanto, utilizamos as nomenclaturas Professora 1(P1) e Professora 2 (P2) para preservar as identidades das duas participantes do estudo. Por se tratar de um recorte de pesquisa mais ampla, destacaremos apenas duas categorias de análises, a saber: Avaliação da aprendizagem nas percepções de docentes; Olhares seletivos em avaliação da aprendizagem.
4.1 AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NAS PERCEPÇÕES DE DOCENTES
Nessa categoria trataremos sobre como as participantes da pesquisa percebem a avaliação e a sua importância no cotidiano da sala de aula. Sendo assim, as discussões giraram em torno de como compreendem a avaliação da aprendizagem:
Avaliação da aprendizagem é um instrumento para avaliar a evolução dos alunos ao longo do ensino aprendizagem. A avaliação também deverá contribuir para a análise e para o processo de ensino dos alunos[1] (P1).
É a maneira, pela qual, acompanho os avanços e os retrocessos na aprendizagem dos meus alunos (P2).
As palavras das docentes evidenciam uma compreensão de avaliação que visa acompanhar o desenvolvimento das aprendizagens dos estudantes no decorrer do processo educativo, indicando assim, continuidade. No entanto, apesar de não citarem como acompanham as aprendizagens, na sala de aula observamos o uso de instrumentos de coleta de dados, a exemplo de tarefas escritas e provas.
Portanto, visualizamos o acompanhamento por meio desses instrumentos, mas para que o acompanhar tenha significado importa que os educadores estabeleçam diálogos com os educandos buscando conhecer o que compreenderam ou não sobre os conteúdos presentes nas atividades propostas, pois, sem que haja esse retorno, a análise das práticas docentes, citadas por P1, não serão efetivadas.
A ação de dialogar com os estudantes, de forma intencional, acerca de seus entendimentos sobre provas, atividades escritas ou sobre os conteúdos apresentados não foi vista na pesquisa de campo. Diante disso, é importante citarmos Hoffmann (2011) ao salientar que
torna-se [...] importante o acompanhamento pelo professor das tarefas realizadas pelo educando em todos os graus de ensino. Só que esse acompanhar abandona o significado atual de retificar, reescrever, sublinhar, apontar erros e acertos. E se transforma numa atividade de reflexão sobre as soluções apresentadas pelo aluno [...] (p. 66).
Assim sendo, a prática de acompanhamento exige do educador ação, reflexão e ação frente às situações observadas, favorecendo e ampliando as aprendizagens dos educandos, pois, suas manifestações diárias permitem ao docente identificar quais aspectos precisam ser reorientados. Para tanto, faz-se necessário abandonar o sentido de acompanhar para determinar.
Luckesi (2011) explicita que o acompanhamento em avaliação tem por objetivo “[...] garantir a construção satisfatória das aprendizagens almejadas dos educandos” (p. 293). Ou seja, acompanhar serve como investigação, já que, nesse processo, o educador investe nas possibilidades de avanços a partir de suas tomadas de decisão.
Com isso, a avaliação da aprendizagem faz parte do cotidiano escolar, não é realizada apenas em tempos determinados através de instrumentos formais. Compreendemos que as docentes acompanham, sim, a evolução das aprendizagens dos educandos, no entanto, isso precisa ocorrer por meio de situações e manifestações diversas (HOFFMANN, 2005).
Conceber a avaliação como recurso de acompanhamento da evolução das aprendizagens dos sujeitos é essencial para o ato educativo. Todavia, acompanha-se para investigar e investir em melhorias. O sentido do acompanhamento não é baseado em pontualidades; a avaliação é um processo que proporciona a autoavaliação do educador sobre suas práticas.
Em outra questão buscamos saber das participantes qual a importância da avaliação no processo educativo. Para tanto, afirmaram que:
É importantíssimo. Ao avaliar um aluno, é possível verificar o que os mesmos conhecem sobre um determinado conteúdo, orientando o professor de forma que possa planejar as atividades de acordo com as dificuldades dos alunos (P1).
A avaliação é importante para perceber através do feedback como está a aprendizagem do aluno e, também, se a metodologia adotada está surtindo efeito (P2).
As falas das docentes evidenciam uma ampliação do significado de avaliação, quando comparado às percepção citadas anteriormente, pois, incluíram variáveis, tais como, planejamento, metodologia e feedback. P1 afirma que a avaliação orienta o educador de modo que ele possa “planejar as atividades” e essa declaração direciona o nosso olhar para ações pedagógicas planejadas. Em contrapartida, durante a pesquisa de campo, ao perguntarmos sobre o planejamento afirmou: “Nós não fazemos planejamento, usamos apenas o diário” (DIÁRIO DE CAMPO, 2019).
As contribuições de Luckesi (2011) para esta discussão ressaltam que “[...] para que a avaliação seja possível e faça sentido, o primeiro passo é estabelecer e ter uma ação claramente planejada [...]” (p. 20). Dessa maneira, a sua prática necessita de planejamento, levando em consideração os pressupostos de avaliação da aprendizagem expressados pelo PPP da escola, cuja teoria só tem validade se for praticada, uma vez que, ensinar requer intencionalidade e objetivos claros do que se pretende alcançar.
Na fala de P2 é trazido o feedback como elemento necessário em avaliação, pois, é através dele que a docente percebe o andamento das aprendizagens dos discentes, assim como, a eficácia de sua metodologia. Nessa direção, Villas Boas (2011) define o feedback como uma das características da avaliação formativa. Diz, ainda, que a sua qualidade é fator essencial de todo procedimento desse tipo de avaliação. Sendo assim, o feedback deve conduzir a ações que promovam resultados significativos.
Os dizeres de P2 demonstram que a metodologia assume um papel didático relevante, expressam, ainda, que os resultados de aprendizagem dos estudantes têm estreita relação com o modo de ensinar dos docentes. Não obstante, no período de observação, quando buscamos saber quais atividades realizava nas disciplinas que ministrava, sua resposta foi que “não tem muito o que fazer, às vezes só passo algumas atividades para colorir”.
Nesse contexto, vale dizer que o PPP da instituição apresenta propostas de atividades diversificadas através de diferentes linguagens que poderiam ser ampliadas pelas docentes oferecendo aulas dinâmicas que promovessem a criticidade, autonomia e a criatividade dos educandos, a exemplo de dramatizações, debates, maquetes, entre outras.
Partindo das informações obtidas nesta questão, podemos dizer que ao citarem o feedback, planejamento e metodologia como elementos importantes para o ensino/aprendizagem, as educadoras estão de acordo com as orientações teóricas de avaliação, contudo, é um discurso que não se evidenciou nas práticas docentes observadas.
4.2 OLHARES SELETIVOS EM AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM
Nesta segunda categoria analisaremos percepções das participantes sobre o fator aprovação a partir dos primeiros contatos com educandos com o intuito de conhecer os olhares com os quais os sujeitos são recepcionados. Assim, ao questionarmos se conseguem perceber quais estudantes serão aprovados logo no início do ano letivo, responderam:
Sim. Porque já venho avaliando de forma contínua, se nesse processo não houve aprendizagem não há aprovação (P1).
Com certeza. Porque, a cada início do ano letivo é possível realizar uma avaliação diagnóstica e assim, perceber os alunos com maiores chances de serem aprovados sem ressalvas (P2).
Através das falas, podemos levantar algumas questões, dentre elas: Sendo a avaliação praticada processualmente, existe possibilidade de definir aprovação/reprovação no início do ano letivo? As palavras de P1 afirmam que se não houve aprendizagem não há aprovação, no entanto, a avaliação não tem função de determinar quem será ou não aprovado. O ato de avaliar passa por dois processos: diagnosticar e intervir visando melhorias de resultados, entretanto, a intervenção só ocorrerá se for preciso (LUCKESI, 2011).
Na visão de P2 é possível perceber quem tem mais chances de aprovação devido a avaliação diagnóstica. O diagnóstico é definido por Luckesi (2002) como um ato que requer do professor uma tomada de decisão frente ao que lhe foi apresentado, seja para intervir ou para deixar como está, isso pode ocorrer processualmente. Assim sendo, a partir do diagnóstico o educador saberá como proceder.
Dito isso, a avaliação diagnóstica citada por P2 apresenta-se de forma equivocada, de modo que pressupõe um julgamento, além disso, a identificação dos que têm mais chances de serem aprovados indica que outros não possuem muita chance de aprovação. Todavia, o diagnóstico é o elemento que resultará em ação/intervenção para que ocorram avanços.
Segundo Luckesi (2011), “não é possível praticar atos de pesquisar e avaliar caso haja um julgamento prévio, visto que, este representa, de início, uma exclusão” (p. 267). Portanto, a certeza de quem tem chances de aprovação/reprovação é julgamento que exclui o discente o afastando de suas aprendizagens, pois está relacionado com práticas sentencivas e não inclusivas.
Para Hoffmann (2005) “é forte a tendência de prejulgar o aluno antes mesmo de conhecê-lo em profundidade e/ou por informações insuficientes e genéricas” (p. 42). Tais atitudes podem comprometer a vida escolar do educando, uma vez que, criam-se barreiras entre educador/educando, ensino/aprendizagem, através da leitura negativa por parte do docente.
O que percebemos através desses olhares avaliativos é a valorização para os fatores aprovação e reprovação, de modo que conduz o educador a “definir” nos primeiros dias de aula quem tem mais possibilidades de ser classificado. Nessa perspectiva, a aprendizagem na sala de aula deixa de ser o objetivo principal, dando espaço para a promoção.
A partir dessas categorias foi possível perceber que a avaliação da aprendizagem ainda configura-se dentro do modelo tradicional de ensino que lhe atribui funções pontuais no processo educativo. Embora os discursos das pesquisadas expressem, em alguns momentos, palavras-chaves integradas à avaliação e, em razão disso, se aproximarem dos estudos sobre a temática, suas práticas em sala de aula se distanciam de uma avaliação que ocorre de forma processual.
Em retrospectiva, considerando a importância da avaliação na dinâmica da aprendizagem, consolidamos a ideia de apreender as percepções de avaliação que orientam as práticas pedagógicas de professores de anos iniciais do ensino fundamental. Para alcançar os resultados, estabelecemos objetivos e utilizamos instrumentos que possibilitaram reunir os achados da pesquisa.
Os depoimentos das docentes indicaram uma percepção de avaliação vinculada à ideia de instrumento que serve para acompanhar o desenvolvimento dos educandos ao longo do processo, além disso, citaram metodologia, planejamento e feedback que são características da avaliação da aprendizagem. Contudo, apesar dos discursos terem apresentado características fundamentais da avaliação, as práticas observadas em sala de aula se revelaram distantes do sentido próprio do processo de avaliação.
As falas das participantes indicam que seus olhares praticam julgamentos prévios, apontando quem será aprovado ou não no início do ano letivo. Ao agirem dessa forma as educadoras, mesmo que não intencionalmente, já estão promovendo a exclusão do estudante, perdem de vista que o julgamento afasta e o acolhimento é uma das características fundantes e funcionais da avaliação da aprendizagem.
Com base nas análises realizadas neste estudo, concluímos que as percepções das educadoras sobre avaliação da aprendizagem ainda se apresentam de forma limitada e equivocada, de modo que não abrangem, na prática, aspectos essenciais para o desenvolvimento de aprendizagens dos educandos. Além disso, é atribuída à avaliação diagnóstica uma função de classificação, contrapondo-se à ideia de diagnóstico para uma tomada de decisão. Nesse sentido, a avaliação é praticada, ainda, com o objetivo de selecionar.
Compreendemos que as experiências das educadoras, quando eram estudantes, podem contribuir com suas práticas em sala de aula, em razão disso, a percepção de avaliação como instrumento de classificação ainda persiste entre profissionais e estudantes. Nesse sentido, importa que as instituições promovam discussões que esclareçam pontos essenciais que estão prescritos em documentos oficiais, tanto internos quanto externos, além de possibilitar formação continuada sobre avaliação da aprendizagem.
Para concluir, ressaltamos que por se tratar de percepções de docentes, este trabalho não se encerra nessas discussões, nem considera como permanentes as visões das participantes, visto que, o ser humano está em constante transformação.
[1] Nessa seção optamos por transcrever os dizeres das educadoras no modo itálico para diferenciá-los das citações dos teóricos que referenciam a pesquisa.
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