1 Introdução
O ensino e aprendizagem da geometria tem sido foco de vários estudos nos últimos tempos, em diferentes níveis de ensino e variadas vertentes. Esses estudos partem da necessidade de se compreender a dificuldade que os alunos possuem quando se trata do pensamento geométrico.
Durante a participação no Programa Institucional de Bolsa e Iniciação à Docência (PIBID), foi possível perceber que existe receio por parte até mesmo dos professores em ensinar geometria. Por conta dessa insegurança, oriunda de um despreparo conceitual e didático, alguns preferem pular os tópicos que envolvem conceitos geométricos, deixando-os para serem trabalhados no final do ano, o que algumas vezes não acontece.
Esse contexto nos impulsionou a investigar sobre o processo de ensino de conceitos geométricos realizado por professoras de escolas do campo de municípios do interior do estado de Sergipe ao ensinarem de forma remota ou a distância.
Este trabalho faz parte do Programa de Iniciação Científica Voluntária (PICVOL) da Universidade Federal de Sergipe (UFS), e está vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Matemática – GEPEMAT, na linha de pesquisa “formação de professores que ensinam matemática”.
Ao iniciarmos esta discussão, abordamos aspectos relacionados ao ensino da geometria e a Teoria de van Hiele. Na sequência, apresentamos a metodologia utilizada e a análise dos dados coletados. Concluímos, fazendo algumas considerações sobre os resultados encontrados.
2 Ensino de Geometria: dificuldades e estratégias
A geometria se faz presente no dia a dia e integra nossa vida. Se encontra também na natureza, nas casas, na rua, etc. Ela estabelece relações com o meio em que vivemos, mesmo sem ter o conhecimento dos conceitos/definições de figuras planas ou espaciais. Porém, nem todos os professores conseguem trabalhar a matemática de uma maneira mais compreensível e representativa para o aluno.
A geometria precisa ser trabalhada de forma significativa, com exemplos que façam parte do nosso cotidiano. Quando ensinada corretamente nas séries iniciais, faz com que a criança desenvolva conceitos básicos a fim comparar e caracterizar figuras geométricas, como também relacioná-las com o seu cotidiano. Barbosa (2003, p.4) afirma que
[...] o que caracteriza o trabalho de Geometria nas séries iniciais é a predominância da concretização sobre a simbolização. Mais importante que designar e definir, ações meramente repetidoras, é observar, descrever, comparar, tocar, construir. Esta fase inicial se caracteriza por atividades ligadas à ação: o aluno manipula e constrói objetos das mais variadas formas para então analisar suas características físicas e geométricas.
A partir da construção do conhecimento e das relações estabelecidas com o meio que vive, o aluno aprende a fazer a representação dos objetos, conseguindo assim, a apropriação das características apresentadas, para que ele consiga compreender o mundo e aprenda a localizar-se nele. Mas para que ele adquira esse conhecimento é necessário vivenciar atividades que unam a teoria à prática.
Mesmo o ensino da geometria desempenhando um papel fundamental na vida das crianças existe uma resistência para ensinar o conteúdo. Lorenzato (1995) afirma que ela quase não se faz presente em sala ou até mesmo já foi excluída do currículo. Essa omissão de ensino é afirmada até nos documentos oficiais, descrevendo que apesar de ela despertar um interesse natural nos alunos,
[...] a Geometria tem tido pouco destaque nas aulas de Matemática e, muitas vezes, confunde-se seu ensino com o das medidas. Em que pese seu abandono, ela desempenha um papel fundamental no currículo, na medida em que possibilita ao aluno desenvolver um tipo de pensamento particular para compreender, descrever e representar, de forma organizada, o mundo em que vive. Também é fato que as questões geométricas costumam despertar o interesse dos adolescentes e jovens de modo natural e espontâneo. (Brasil, 1998, p.122)
Para Lorenzato (1995), um dos motivos que leva a omissão do ensino da geometria se dá pelo fato do professor possuir pouco conhecimento geométrico e assim não perceber a importância que ela possui na formação dos alunos. O autor diz que se o professor “não conhece geometria também não conhece o poder, a beleza e a importância que ela possui para a formação do futuro cidadão, então, tudo indica que, para esses professores, o dilema é tentar ensinar Geometria sem conhecê-la ou, então, não ensiná-la”. Com isso, os professores têm insegurança para ensinar o conteúdo e consequentemente deixam de trabalhar o assunto em sala.
A hesitação dos educadores faz com que a geometria seja vista de maneira isolada do cotidiano, Etcheverria (2008) ressalta que se não for possível visualizar as situações que o conteúdo envolve, fará com que a geometria se torne inexistente. A insegurança para ensinar faz o professor trabalhar de maneira abstrata, sem significado para os alunos aprenderem e consequentemente o desinteresse do aprendizado.
É importante ressaltar que a percepção que o educador tem da matemática acaba sendo determinante na forma de ensinar o conteúdo em sala. Além disso, o livro didático traz o assunto de geometria resumido e voltado para a prática de repetição, conduzindo o aluno a focar na cópia das resoluções, impedindo-o de construir seu pensamento crítico e construir sua resposta (Rabaiolli, 2013).
Um dos fatores que interferem no ensino da geometria é destacado por vários autores como Lorenzato (1995), Pavanello (1989), Barbosa (2003), entre outros, reconhecendo que a formação de professores está “muito precária quando se trata de geometria, pois os cursos de formação inicial não contribuem para que façam uma reflexão mais profunda a respeito do ensino e da aprendizagem dessa área da matemática”. (Almouloud, Manrique, Silva & Campos, 2004, p.99).
Considerando esse aspecto, percebe-se que a formação de professor é bem relevante para sua prática pedagógica. Se o mesmo possui dificuldades que não são sanadas durante sua trajetória na graduação, então essas mesmas dificuldades serão repassadas para sua ação docente. De acordo com Marques e Caldeira (2018, p. 404),
[...] existe o professor, o qual se utiliza, na grande maioria das vezes, de atividades de ensino apenas teóricas para ensinar determinados conteúdos matemáticos e, mesmo ciente de não conseguir obter êxito nos resultados junto a seus alunos, apresenta dificuldade de repensar sua metodologia de ensino nesta disciplina.
Esse enfoque mostra que o professor está ciente das dificuldades que ele possui e mesmo assim insiste em continuar com a mesma metodologia, sem preocupar-se com o aprendizado do aluno. Como consequência, essa criança vai apresentar problemas no seu aprendizado e acabar achando a matéria difícil e mostrar aversão ao conteúdo.
Cria assim uma necessidade de repensar os cursos de formação, pois torna-se um dos elementos importantes no processo de ensino-aprendizagem. Segundo Passos (1995), o curso de formação poderia abordar a geometria a partir do estudo das figuras espaciais, estudando as relações entre as figuras planas, sempre associando o espaço e o plano. Esse pensamento está relacionado com o modelo de ensino apresentado por Van Hiele.
3 Teoria de Van Hiele
O estudo do ensino da geometria é um assunto que se faz presente em diversas discussões, desde a transmissão até seu aprendizado. A preocupação dos professores para o ensino deste conteúdo, vai desde a busca por novas práticas pedagógicas até a forma de ensinar.
A geometria deve ser abordada da forma que os alunos possam associar o conteúdo ensinado em sala de aula, com alguma situação que venha a surgir no seu cotidiano. Porém, às vezes o conteúdo é trabalhado de forma abstrata, sem fazer essa conexão com a realidade do aluno, sem respeitar as capacidades cognitivas que ele desenvolve em cada etapa da vida escolar. (Souza, Moretti & Almouloud, 2019)
Tendo em vista os aspectos observados, optamos por estudar a teoria de Van Hiele, um modelo didático produzido para ensinar geometria, para buscarmos identificar os níveis de pensamento presentes nas atividades propostas pelas professoras dos anos iniciais. A teoria do desenvolvimento geométrico foi criada pelo casal Pierre Marie Van Hiele e Dina Van Hiele Geodolf, após desenvolverem uma pesquisa, na Holanda, para a produção das suas teses de doutorado.
A ideia da teoria surgiu a partir da observação das dificuldades dos alunos na educação básica referente ao aprendizado da geometria. O estudo dos van Hiele teve a orientação do educador matemático Hans Freudenthal.
Esse casal empenhou-se para estudar o porquê de os alunos terem complicações no aprendizado geométrico (Villiers, 2010). Enquanto um deles buscava uma explicação que justificasse as dificuldades dos alunos em aprender geometria, o outro estudava a ordenação do conteúdo de geometria e atividades que fossem para o aprendizado dos estudantes. Esse aprendizado é descrito em cinco níveis de aprendizagem.
A teoria nos apresenta um método de análise a respeito das dificuldades enfrentadas pelos alunos em sala de aula ao estudarem geometria. Ela ajuda o professor a ter uma noção do nível de conhecimento que o aluno possui acerca da geometria. A principal característica que ela possui consiste na distinção de quatro diferentes níveis de pensamentos que são utilizados pelos alunos ao desenvolver a compreensão relativa à geometria. De acordo com Villiers (2010), a caracterização dos cinco níveis é descrita da seguinte maneira:
No nível 1, Reconhecimento, os alunos fazem a identificação visual das figuras por meio de sua aparência global e não pelas propriedades ou pelas partes. Reconhecendo, descrevendo e comparando os polígonos através das suas formas e de comparações com objetos do cotidiano, ou seja, comparar um quadrado com uma janela. Mas sem identificar as propriedades existentes. Nesse nível os alunos irão construir seu vocabulário geométrico, identificar e reproduzir figuras apresentadas.
No nível 2, Análise, inicia a análise das propriedades das figuras através de observação e comparação, e aprendem a terminologia adequada para a descrevê-las e caracterizá-las, mas ainda não estabelecem relações entre as figuras e essas propriedades, também não entendem definições.
No nível 3, Ordenação, os alunos estabelecem uma ordenação lógica das propriedades de figuras por meio de curtas sequências de dedução e compreendem as correlações entre as figuras. O aluno neste nível não compreende o significado de uma dedução ou dos axiomas.
No nível 4, Dedução, os alunos iniciam o entendimento das deduções de enunciados e entendimento dos significados de sentenças abstratas, das deduções, teoremas e provas. O reconhecimento dessas condições é realizado de maneira espontânea. Quando se está nesse nível o aluno não memoriza as demonstrações, ele consegue construí-las.
No nível 5, Rigor, os alunos desenvolvem a compreensão das demonstrações formais. Assim, eles conseguem ver a geometria no plano abstrato. As provas geométricas são realizadas de maneira dedutiva e independente da complexidade do axioma. Os alunos conseguem se aprofundar na análise das propriedades.
A teoria de Van Hiele ajuda o professor a analisar o nível de compreensão que o aluno já desenvolveu, sabendo que em uma única turma pode existir variações de entendimento em um mesmo nível. Mesmo na mesma série os alunos possuem diferenças no desenvolvimento cognitivo do pensamento geométrico. Então, não basta o aluno estar em determinado nível, ele precisa demonstrar habilidade em resolver atividades com diferentes níveis de complexidade dentro de um mesmo nível para que possa avançar para um nível posterior (Passos, 1995)
Vimos que a teoria favorece a busca de estratégias metodológicas para sanar as dificuldades que os estudantes possuem a respeito da geometria. A passagem de um nível para o outro se dá por meio de hierarquia. Vale ressaltar que a passagem de um nível para o outro depende da vivência educacional do aluno. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), esses aspectos devem ser respeitados e
Quanto à organização dos conteúdos, é possível observar uma forma excessivamente hierarquizada de fazê-lo. É uma organização, dominada pela ideia de pré-requisito, cujo único critério é a definição da estrutura lógica da matemática, que desconsidera em parte possibilidades de aprendizagem dos alunos. Nessa visão, a aprendizagem ocorre como se os conteúdos se articulassem como elos de uma corrente, encarados como um pré-requisito para o que vai sucedê-lo. (Brasil, 1998, p.22)
Percebemos que os conteúdos devem ser organizados de forma que possibilite o desenvolvimento do raciocínio do aluno, respeitando os níveis de aprendizagem. Esse aprendizado é adquirido ao longo do tempo, conforme o avanço em cada etapa vivenciada.
4 Metodologia
Essa pesquisa tem natureza qualitativa, a fim de compreender como foi realizado o ensino da geometria durante o período da pandemia do coronavírus no ano de 2020 (Bogdan & Biklen, 1994). Com esse intuito foram realizadas entrevistas semiestruturadas por meio do telefone celular, com cinco professoras dos anos iniciais, sendo que três trabalham na zona rural e duas delas trabalham na sede do município. Todas as escolas participantes pertencem a municípios localizados no interior do estado de Sergipe - BR.
Na análise deste trabalho destacamos as falas das professoras entrevistadas e, também, algumas atividades que contemplam conteúdos de geometria, trabalhadas por elas nesse período de ensino. Cada entrevista teve a duração de 30min. A fim de manter o anonimato das docentes, decidimos identificá-las por nome de flores, a saber: Orquídea, Tulipa, Alfazema, Lírio e Girassol.
5 Análise da fala das professoras
Na verdade, para justificar a necessidade de se ter a Geometria na escola, bastaria o argumento de que sem estudar Geometria as pessoas não desenvolvem o pensar geométrico ou o raciocínio visual e, sem essa habilidade, elas dificilmente conseguirão resolver as situações de vida que forem geometrizadas; também não poderão se utilizar da Geometria como fator altamente facilitador para a compreensão e resolução de questões de outras áreas de conhecimento humano. (Lorenzato, 1995, p.5)
Lorenzato (1995) chama a atenção para a importância de se perceber o ensino da geometria como responsável pelo desenvolvimento de uma maneira específica de raciocinar, que é a habilidade do pensar geométrico. Isso indica que mesmo o aluno sendo exímio na resolução de situações que requerem conhecimentos aritméticos e algébricos aprofundados ele pode não estar preparado para resolver situações geométricas, caso não tenha desenvolvido essa habilidade.
Levando em conta esses argumentos, voltamos nosso olhar para aspectos relacionados ao ensino dos conhecimentos geométricos realizado por professoras dos anos iniciais durante o período da pandemia no ano de 2020. Apesar de nosso foco estar nesse período, consideramos necessário saber quais e de que forma as docentes ensinavam os conteúdos geométricos antes da pandemia. Os depoimentos sinalizam que os conteúdos trabalhados foram: “figuras geométricas” (Lírio), e “ângulo, retângulo e reconhecimento das figuras geométricas planas, assim, mais básico, entendeu?” (Girassol). Ainda, as falas mostram que realizavam atividades envolvendo a construção de figuras geométricas, pois pediam “para confeccionar alguma coisa, levar o material e depois trabalhar. Eu gosto muito de trabalhar com meus alunos em grupo, em duplas” (Tulipa).
Também, percebe-se que há o entendimento de que o trabalho com as unidades de medida seja identificado como aula de geometria.
[...] trabalhei bastante na hora de trabalhar medidas, réguas com práticas de peso, de feirinha. A gente produziu feirinha na sala para eles trabalharem com dinheiro, eles trabalharem com medidas. Houve muito trabalho com peso, com fita métrica pra ver o crescimento deles, para que eles vivenciassem. (Girassol)
É possível que essa associação entre conceitos geométricos e unidades de medida aconteça porque esses conhecimentos estão articulados, ou seja, quando se ensina as unidades de medida, de maneira geral, elas acompanham situações que envolvem objetos tridimensionais ou bidimensionais, tais como, medir o comprimento de uma mesa, identificar a unidade de medida adequada para se medir a capacidade de uma caixa d’água, a distância entre lugares, etc.
Ao olharmos para a forma como as professoras ensinaram os conceitos geométricos de forma remota, percebemos que o fizeram de maneira que os alunos conseguissem estudar geometria associando o conteúdo a ser ensinado com coisas comuns do cotidiano de uma criança. Para tanto, a professora diz que trabalhou com situações
[...] por exemplo, a questão do quadrado tem que ser igual, né? Ambas as partes, aí eu citei alguns exemplos. O retângulo, por exemplo, o retângulo, nós pode usar o quê? Até mesmo a porta da nossa casa, entendeu?! Aí expliquei para eles a cama onde dorme. Dessa forma, e até para eles fazer alguns objetos de dentro de casa que tem a forma do retângulo, porque os triângulos dentro de casa, é mais difícil, entendeu? Mas já o retângulo, o quadrado é mais fácil, né? Para eles encontrarem. (Alfazema).
Mesmo sem utilizar material confeccionado, a professora Alfazema representou as formas geométricas encontradas dentro do ambiente em que a criança se encontra. Ao se comparar um retângulo com um objeto, por exemplo uma porta, possibilita-se que o aluno tenha essa percepção visual e construa uma imagem que evidencia características do polígono, no caso da porta, o objeto mostra lados opostos congruentes e paralelos, características inerentes ao retângulo. Mesmo que os alunos façam essa comparação sem atribuir componentes ou propriedades às suas partes, essas atividades promovem o reconhecimento das figuras (Van Hiele, 1986).
Algumas professoras conseguiram trabalhar com material manipulável e jogos. Uma delas citou as atividades e os recursos que utilizou. Diz ela:
Então, eu utilizei o Tangram, certo. Utilizei dobraduras também, eu fiz uma integração tipo, artes e matemática onde eles faziam dobraduras e iam reconhecendo quantidades de figuras geométricas. Além do Tangram, eu fiz também o sudoku que eles vão organizar as figuras nas linhas vertical e horizontal sem repetir, eu também utilizei esse material, eles levaram, recortaram, confeccionaram. Aí eles construíram figuras, eles mandaram vídeos, eles até participaram bem dessa atividade do Tangram. (Lírio)
Lírio mostra a importância de utilizar recursos para o ensino da geometria. Essa representatividade é necessária para a resolução de atividades pois, algumas questões precisam que o aluno identifique elementos da figura dada para então, poder conseguir obter uma solução (Souza et al., 2019). A professora Girassol também trabalhou com o Tangram, conseguindo relacioná-lo com a contação de história. Ela mandou o material para os alunos “montarem”, pois “ no próprio livro deles trabalhava o Tangram”. Para narrar a história ela passou “um vídeo pelo whatsapp da história do Tangram” (Girassol).
Para que os alunos se apropriassem das características inerentes a cada polígono, foi mandado “massa de modelar pra eles, para trabalhar uma ou duas atividades que o PIBID trabalhou. E a própria massa de modelar ajuda, a gente já trabalhou com figuras geométricas. Pra que eles construam, pra entenderem os lados” (Girassol). Nessa fala da professora podemos perceber que ela está trabalhando o segundo nível da teoria de Van Hiele, onde é iniciada a análise das figuras por meio de observação e comparação. O autor diz que “o estudante descobre propriedades e/ou regras de uma classe de formas empiricamente, tais como dobramento, medição, analisa figuras em termos de seus componentes e relacionamentos entre os componentes” (Van Hiele, 1986 p.33),
Para o período de ensino durante a pandemia, as professoras precisaram se adequar às condições dos alunos e também as suas necessidades. Para propor suas atividades, elas buscavam exercícios “pela internet, no caso, o Google” (Alfazema); e também usavam “o livro como base” (Girassol) pois “o livro didático é muito bom” (Orquídea). Para Alfazema, a busca de atividades na internet decorre do fato de que em alguns assuntos a explicação presente no livro didático não é suficiente para o aprendizado do aluno. Diz ela: “Não só eles [alunos] irem através do livro, que muitas vezes no livro a explicação é muito vaga”. Além disso, a docente comenta o fato dos alunos dela não estarem com todos os materiais didáticos que a escola fornece, nesse período “eles só estão, no caso, com o livro de ciências”. Também, ela destaca que “está trabalhando com o projeto Cidadania: Qual o seu Valor? Aí pesquisamos conteúdos de acordo com o projeto de conteúdo a nível da sabedoria deles” (Alfazema).
Por conta do ensino remoto e da dificuldade em se trabalhar com os mesmos recursos do ensino presencial, a escola na qual a professora Alfazema trabalha oportunizou que elas participassem “da aula digital que é um caderninho que o ProFuturo entregou para os alunos. Nele tem várias atividades de matemática, como por exemplo: peso, medidas, essas coisas. Aí, tô pegando atividades também pelo caderno já que nós estamos em atividades remotas, né?” (Alfazema). Além do livro e do caderno do ProFuturo, essa professora afirma: “também pesquiso algumas atividades com relação à aula do caderno digital pela internet no caso no Google, né? E faço minhas atividades remotas”. O caderno ProFuturo é fruto da parceria entre a Fundação Telefônica Vivo e a SEDUC-Sergipe junto ao DED/SEF, nele encontram-se atividades para os alunos que não possuem acesso a nenhum recurso pedagógico durante a pandemia.
As professoras também contam com a ajuda de alguns colegas para discutir e elaborar alguns exercícios. Na escola da professora Orquídea foi criado
[...] um grupo de professores e tem alguns professores que ajudam nas atividades, por exemplo as atividades da Prova Brasil(...). Tem uns professores que elaboram de uma forma bem interessante, e daí eu vou lá, pego as atividades que encaixam, copio, colo e depois de monto a apostila. (Orquídea)
Para que os alunos tenham acesso a explicação das atividades, as professoras "mandam áudio” e depois elas "repassam para os alunos” (Alfazema). Além desses recursos, elas também fazem “vídeos” (Lírio). A explicação também “acontece por chamada de vídeo individualmente” (Tulipa). A vídeo chamada é efetuada com um intuito de tirar “as dúvidas passo a passo com o livro” (Tulipa). Como os vídeos gastam mais internet, Alfazema diz que elas precisam simplificar as explicações, fazendo “vídeos curtíssimos”, contudo, elas entendem que “tem que ser principalmente em áudio” (Alfazema).
Ainda, perceberam que as atividades precisam ser mais simples porque se forem mais complexas podem dificultar aos pais ajudarem as crianças. Alfazema afirma que “quando os pais têm dificuldade, entram em contato comigo e eu explico. Também, nos áudios que eu envio eu também explico”.
As falas das professoras sinalizam a necessidade de um ajuste na ação docente realizada, ou seja, o ensino remoto está exigindo que se (re)pense o tipo de atividades a serem propostas. Para esclarecer sobre os processos de planejamento Leal (2005, p. 2) diz que
[...] as fases, os passos, as etapas, as escolhas, implicam em situações diversificadas, que estão presentes durante o acontecer em sala de aula, num processo de idas e vindas. Contudo, para efeito de entendimento, indica-se a realização de um diagnóstico aqui compreendido como uma situação de análise; de reflexão sobre o circunstante, o local, o global. Nesse contexto didáticopedagógico: averiguar a quantidade de alunos, os novos desafios impostos pela sociedade, as condições físicas da instituição, os recursos disponíveis, nível, as possíveis estratégias de inovação, as expectativas do aluno, o nível intelectual, as condições socioeconômicas (retrato sócio-cultural do aluno), a cultura institucional a filosofia da universidade e/ou da instituição de ensino superior, enfim, as condições objetivas e subjetivas em que o processo de ensino irá acontecer.
Nesse período de isolamento, contudo, a realização de um diagnóstico sobre o aprendizado dos alunos foi dificultada pela ausência do contato direto com os discentes. Esse foi um motivo de preocupação das professoras, pois as atividades que retornavam sempre estavam corretas, contudo, não se sabia quem tinha feito.
6 Análise das atividades propostas aos estudantes
Considerando-se o nível de aprendizado em que as crianças se encontram, é esperado que os conhecimentos geométricos trabalhados com estudantes de turmas dos anos iniciais do ensino fundamental envolvam processos mentais referentes ao nível de reconhecimento proposto por van Hiele.
Dessa forma, optamos por comentar três atividades de geometria propostas pelas professoras. Iniciamos, analisando uma atividade proposta por Alfazema para seus alunos do 2º ano. Ela contem situações que são descritas por figuras.
O exercício diz o seguinte: “Marque com um x o único objeto que tem a forma diferente dos demais”. Abaixo do enunciado aparece ilustrado quatro desenhos, o primeiro é uma bola de basquete, o segundo uma bola de futebol, o terceiro a Terra e o quarto desenho é um cone. Embaixo das figuras tem um quadrado pequeno para que os alunos possam marcar um “x”. Em seguida, o exercício pede o seguinte: “Pinte da mesma cor os objetos que têm formas parecidas”. Abaixo é apresentado um bloco, um dado, um copo, uma casquinha de sorvete, um chapéu de aniversário e um pacote de biscoito.
Nessa atividade os alunos fazem uma comparação visual, buscando identificar semelhanças e diferenças nas formas dos objetos. Nela, não são explorados os nomes dos objetos e das formas. Na teoria de van Hiele é uma atividade do nível 1, Reconhecimento, porque a resolução da mesma envolve fazer a identificação visual das figuras por meio de sua aparência global e não pelas propriedades ou pelas partes. O exercício mostra que o aluno está apto nas habilidades do primeiro nível da teoria.
Uma segunda atividade, também proposta pela professora Alfazema, propõe o seguinte: “Ligue as formas ao nome correto”. Abaixo tem duas colunas, a primeira contem as figuras que são: triângulo, circulo, quadrado e retângulo. A segunda contém o nome das figuras em ordens trocadas, primeiro aparece o nome do retângulo, em seguida quadrado, triângulo e círculo. Na segunda questão diz: “Leia e desenhe”. Posteriormente traz o nome da figura: círculo, quadrado, retângulo, triângulo e abaixo um quadrado em branco para o aluno fazer o desenho.
Nessa atividade, também do nível 1, Reconhecimento, os alunos fazem a identificação visual das figuras por meio de sua aparência global e não pelas propriedades ou pelas partes. Aprendem a terminologia adequada para a identificá-las, mas ainda não observam suas propriedades. Nesse nível os alunos irão construir seu vocabulário geométrico, ao identificar e reproduzir figuras apresentadas. O aluno conseguiu identificar corretamente o nome de cada figura apresentada na primeira questão, ele conseguiu ligar sem confundi-las. No segundo item também desenhou corretamente cada figura proposta e não confundiu o quadrado com o retângulo.
Percebemos que esta segunda atividade da professora Alfazema demonstrou ser um pouco mais complexa. Mesmo assim, ela ainda trabalha com as habilidades do primeiro nível do pensamento da teoria de Van Hiele.
Escolhemos comentar também a atividade proposta pela professora Girassol. Ela escolheu trabalhar um exercício proposto no livro, no qual, inicialmente, tinha um texto com o título: “Reconhecer figuras geométricas”. Abaixo tinha um quadrado, um triângulo e um hexágono, ao lado das figuras tinha o número quatro, três e cinco. O número que correspondia a quantidade de lados dos polígonos já estava ao lado, o aluno só precisava fazer um traço ligando a figura ao número que indicava a quantidade de lados.
Entendemos que a atividade proposta pela professora Girassol é para os estudantes do 1º ano, o que justifica o menor grau de complexidade. O exercício também se encontra no nível 1 da teoria de Van Hiele. Nela, a criança precisava saber o número de lados, contudo, ainda não identificam outras propriedades existentes no quadrado, triângulo e hexágono, tais como ângulos e diagonais. Como já mostrado anteriormente, são problemas que tem a finalidade de ajudar o aluno a reconhecer visualmente a figura por meio de sua aparência global, identificando assim as semelhanças e diferenças nas formas do objetos.
Ressaltamos aqui a importância das escolhas das atividades propostas, pois elas são um fator de grande estímulo para desenvolver o aprendizado das crianças, podendo ampliar ou restringir o desenvolvimento do pensamento delas.
7 Considerações finais
Nesta seção finalizamos nosso estudo mostrando os resultados que ajudaram a responder nosso objetivo de pesquisa que esteve voltado para o processo de ensino de conceitos geométricos realizado por professoras de escolas do campo de municípios do interior do estado de Sergipe, ao ensinarem de forma remota ou a distância, durante a pandemia do Covid-19, no ano de 2020.
Os depoimentos revelam que as docentes realizavam as explicações das atividades via vídeo e/ou áudio gravado pelas mesmas e que, apesar de vivermos num mundo onde se faz necessário o uso de tecnologia, mostraram grande dificuldade em trabalhar com os recursos tecnológicos, pois não possuíam domínio do material. Alguns pais apresentaram dificuldade em orientar os filhos na realização de algumas atividades. Para os alunos que não tinham acesso à internet, as professoras elaboraram atividades impressas, referentes aos conteúdos ensinados, e deixavam disponíveis na escola.
Durante o ensino remoto as professoras sentiram dificuldades em analisar o nível de aprendizado dos alunos. Não foi possível realizar um diagnóstico para identificar as dificuldades das crianças. Também, foi difícil identificar se as tarefas eram respondidas pelos alunos ou outra pessoa. Assim, é difícil dizer se realmente houve aprendizado e compreensão dos conteúdos.
Percebemos que o conteúdo de geometria foi trabalhado por apenas duas professoras entrevistadas. Mostrando que o conteúdo é pouco abordado nas aulas ministradas. Apesar disso, as docentes conseguiram passar atividades que trabalhassem a geometria de maneira mais representativa no dia a dia do aluno.
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