1 Introdução
Este texto traz para discussão dados de uma pesquisa que faz parte do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) da Universidade Federal de Sergipe (UFS), com bolsa CNPq, e que está vinculada ao Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Matemática – GEPEMAT, na linha de pesquisa “formação de professores que ensinam matemática”. Os dados aqui discutidos se referem ao plano de trabalho que teve como objetivo analisar o processo de ensino de professoras de escolas do campo ao ensinarem, de forma remota ou à distância, os conceitos aritméticos.
O ensino e a aprendizagem da matemática costumam ser desafiadores tanto para os ensinantes quanto para os aprendentes por ele envolver processos mentais que envolvem diferentes e diversos esquemas de pensamento. Existem situações, contudo, que podem tornar essa ação pedagógica ainda mais desafiadora, e isso aconteceu no período de pandemia do Covid-19.
Saber como esse processo aconteceu instigou nossa curiosidade e, assim, com o intuito de abordar sobre os desafios de como foi ensinar a aritmética aos estudantes dos anos iniciais em 2020, um ano atípico por causa da pandemia, entrevistamos cinco professoras dos anos iniciais de escolas públicas de municípios do interior do estado de Sergipe.
Para tanto, iniciamos nossa discussão abordando sobre aspectos relacionados ao ensino da aritmética e a Teoria dos Campos Conceituais. Na sequência, apresentamos a metodologia utilizada e a análise dos dados coletados. Concluímos, fazendo algumas considerações sobre os resultados encontrados da pesquisa em vigor.
2 O Ensino da Aritmética nos Anos Iniciais
Apesar de, atualmente, existir um número expressivo de pesquisas que discutem o ensino de matemática nos anos iniciais, muitas docentes que ensinam nesse nível de ensino, ainda enfatizam a tabuada e priorizam o trabalho com os algoritmos convencionais das quatro operações fundamentais, como única forma de representação do cálculo numérico. (Reges, 2006).
É nos anos iniciais do Ensino Fundamental que os alunos constroem os conceitos básicos da matemática, tanto em relação aos números como em relação às quatro operações fundamentais e, também, faz-se necessário que nessa etapa de aprendizagem a resolução de problemas do cotidiano seja enfatizada. Para isso, no entanto, é mister que os docentes que atuam nessas turmas tenham um conhecimento claro das noções a ensinar, para que apropriados desse fundamento epistemológico possam compreender as dificuldades enfrentadas pela criança e, com base nessas informações, façam ajustes nos processos metodológicos por eles utilizados (Vergnaud, 2009).
Esse processo requer o acompanhamento do avanço da aprendizagem dos alunos, principalmente quando estamos trabalhando com crianças pequenas, pois envolve uma prática interativa contínua, o que foi impossibilitado pelo afastamento social imposto pela pandemia do Covid-19.
A interação dentro de um espaço de formação, em qualquer nível de ensino, é um ponto fundamental na integração professor-aluno e aluno-aluno (Rodrigues, 2002). Quando se discute o processo ensino-aprendizagem da matemática de crianças, esse fator é ainda mais relevante, pois esses sujeitos ainda não têm autonomia para conduzirem seus estudos, necessitando, assim, de uma orientação contínua do professor.
Durante o período de pandemia, as docentes dos anos iniciais enfrentaram o desafio de realizar essa orientação por meio de áudios, vídeos ou ligações de vídeo-chamadas. Esses procedimentos requerem habilidades referentes ao uso dos recursos tecnológicos. Saber usar esses recursos como ferramentas de ensino-aprendizagem, atuando como motivador, criador de recursos digitais, avaliador de aprendizagens e dinamizador de grupos e interações online, requer uma compreensão das especificidades dos canais e da comunicação online (Moreira, Henriques & Barros, 2020).
Para suprir essa necessidade, algumas instituições públicas ofereceram aos seus profissionais da educação cursos online para suprir essa deficiência em suas formações. Além disso, profissionais da área da informática também disponibilizaram, gratuitamente, na internet, vídeos explicativos com “dicas” de programas que podem facilitar a elaboração de recursos digitais para o ensino. Assim, tornou-se bastante acessível capturar, editar e partilhar pequenos vídeos, utilizando equipamentos pouco dispendiosos e softwares gratuitos e livres.
Para Moreira et al. (2020), nunca antes foi tão fácil produzir e trabalhar com vídeos online, porque a demanda gerada pela pandemia favoreceu a criação de uma grande variedade de ferramentas na web para assistir, partilhar e editar vídeos. Também, os autores destacam os serviços do Youtube para publicar, ver e partilhar vídeos da sua autoria, ou de outros utilizadores, ressaltando os materiais com conteúdo educativo.
Por outro lado, também se faz necessário destacar que apesar desse material estar acessível de forma gratuita, muitos docentes e discentes não têm acesso a eles por não terem uma internet com boa capacidade de transmissão. Juntando-se esse fato às dificuldades oriundas dos processos mentais inerentes à Matemática, o que faz com que alguns alunos não se considerem capazes de aprendê-la, segundo Barreto e Rocha (2020), é justificável que ela tenha sido ignorada por muitos estudantes durante o período da pandemia.
No caso deste estudo, por se tratar do ensino de matemática para crianças dos anos iniciais, é possível que o desafio de ensinar a resolução de problemas do campo aditivo tenha permeado a prática das professoras que ensinam matemática.
3 Teoria dos Campos Conceituais
O nascimento de toda e qualquer teoria surge da ânsia pela descoberta de um conhecimento novo relacionado a algum fato da realidade. É através de hipóteses e suposições que se pode compreender tais fenômenos, contribuindo, assim, na solução de problemas que permeiam a complexidade do cotidiano.
Na Teoria dos Campos Conceituais (TCC) o objetivo não é diferente. A mesma surgiu da necessidade de uma reflexão relacionada às atividades cognitivas conceituais presentes em situações-problemas do cotidiano. Além disso, abrange os conceitos explícitos e as invariantes operatórias implícitas presentes nos comportamentos do sujeito em situação.
Vergnaud (1982), destaca que a principal finalidade da TCC é propor uma estrutura que permita compreender as filiações e rupturas entre conhecimentos. O autor nos leva a considerar a importância de se criar uma estrutura de aprendizagem e de desenvolvimento cognitivo se valendo das próprias habilidades e experiências da criança e do adolescente.
É uma teoria cognitivista que visa o conteúdo a ser ensinado e a análise de formação de conceitos. Para Vergnaud, a criança consegue desenvolver os conceitos através da interação social, linguagem e da simbolização, ou seja, ela vivencia experiências e associa aos conceitos tanto quanto “saber fazer” quanto “saber expressar”.
Além disso, é importante saber que um campo conceitual é um conjunto heterogêneo de situações, conceitos, relações, estruturas, conteúdos e operações de pensamento que se interligam uns com os outros (Vergnaud, 1982). O que nos faz perceber que o reconhecimento de um conceito requer enfrentar dificuldades que só serão superadas com o tempo e desenvolvimento intelectual e social da criança, o qual demanda uma proposta que conecte os conceitos de adição e subtração presentes nas situações do cotidiano com o ensino dos conceitos aritméticos através do campo conceitual aditivo.
Usar de metodologias ou estratégias de ensino diferenciadas é de grande contribuição para o desenvolvimento do conhecimento do aluno, da mesma forma que valer-se de situações problematizadoras que estejam relacionadas com o cotidiano dos mesmos, como por exemplo, comprar doces, contar objetos e pessoas, permite avanço no aprimoramento de habilidades operatórias.
A observação das situações aditivas permitiu a Vergnaud a identificação de seis tipos de relações base, a saber: (I) a composição de duas medidas em uma terceira; (II) a transformação (quantificada) de uma medida inicial numa medida final; (III) a relação (quantificada) de comparação entre duas medidas; (IV) a composição de duas transformações; (V) a transformação de uma relação; e (VI) a composição de duas relações. (Vergnaud, 1996)
Neste estudo, voltamos nosso olhar somente para as três primeiras categorias. As situações de Composição envolvem duas partes e o todo, por exemplo: No quintal de casa tem 9 galinhas e 8 patos. Quantos animais tem no quintal de casa? As situações de Transformação envolvem um estado inicial, uma transformação e um estado final, por exemplo: Felipe tinha 5 bolinhas de gude. Ganhou 6 bolinhas de gude de seu melhor amigo. Com quantas bolinhas de gude Felipe ficou? E, nas situações de Comparação há uma comparação entre duas medidas. A relação ternária se compõe de um referente (valor de referência), referido (valor do outro grupo) e da relação entre os dois grupos, tal como no problema: Rute tem 12 lápis de cores. Ana tem 5 lápis de cores a menos que Rute. Quantos lápis de cores tem Ana?
As situações exemplificadas acima envolvem diferentes graus de dificuldade. É notório que o primeiro e o segundo problema aparentam menor dificuldade para os alunos. Observa-se que no terceiro exemplo já temos um grau maior de dificuldade. Ter esse conhecimento possibilita que o docente perceba a necessidade de trabalhar situações-problema diferenciadas e, ainda, de buscar estratégias de ensino que favoreçam a ampliação dos aprendizados inerentes aos conceitos envolvidos nas situações propostas.
3 Metodologia
A abordagem metodológica utilizada nesta pesquisa foi a qualitativa, pois buscou-se a compreensão do fenômeno em estudo (Bogdan & Biklen, 1994). Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas via telefonema.
Escolhemos entrevistar cinco professoras que ensinam nos anos iniciais, porém, nesta análise serão destacadas as falas e contribuições de apenas quatro delas, por serem as que abordaram sobre o ensino da aritmética. Para identificar cada docente utilizamos nomes de flores, a saber: Tulipa, Alfazema, Lírio e Girassol. Todas as entrevistas foram realizadas de forma remota através de um celular e internet.
4 Análise dos Depoimentos das Professoras
O processo de ensino-aprendizagem é complexo e nele interferem aspectos cognitivos, emocionais e sociais. Ponte (2009) destaca que a ação do professor determina, em grande medida, os resultados desse processo, apesar de ele não ser o único responsável pela efetivação dos conhecimentos dele originados.
Durante o período de afastamento social gerado pela pandemia do Covid-19, a ação pedagógica do professor passou por grandes desafios e, dentre eles, destaca-se o desafio de ensinar de forma remota, algo que exige conhecimento tecnológico e acesso aos recursos de mídia, tanto por parte dos docentes quanto dos discentes.
As professoras participantes desta pesquisa buscaram ensinar as operações aritméticas por meio de vídeos ou áudios. Dizem elas:
Fiz vídeos sim, não foram muitos, foram poucos das resoluções de problemas, mas assim, lendo os problemas pra eles e tentando que eles associassem. [...] Na resolução de problemas foi mais isso mesmo, foram esses problemas que eu já mandei nas atividades, e aí depois eu filmava, explicava como eles iam resolver, sempre tentando auxiliar, juntar com o cotidiano, foi mais isso mesmo. (Lírio)
Então, matemática é vídeo produzido por mim ou áudio certo. Eu não vou muito para o YouTube para esse tipo de situações. Eu reconheço que tem crianças que não têm acesso à internet. Então, vídeos do YouTube costumam gastar um pouco mais da internet dos pais e muitos pais alegam que não têm tempo, então, eu tento simplificar em videozinhos criados, feitos por mim. Vídeos curtíssimos tem que ser principalmente em áudio, o que eu uso mesmo são áudio. (Girassol)
Seguindo outra via, houve quem preferisse utilizar vídeos que estão disponíveis no Youtube para mostrar “algo que eu possa estar contextualizando para eles o conteúdo. Um vídeo de acordo com a série”. (Tulipa). Ainda, teve quem optasse por enviar áudios explicativos por considerar “que eu sozinha não tenho essa habilidade de gravar em vídeo aí eu prefiro o áudio onde eu explico etapas por etapas. (Alfazema).
Esses depoimentos comentam sobre procedimentos escolhidos pelas professoras para ensinar conhecimentos aritméticos durante a pandemia, entretanto, entendemos que se faz necessário saber como esse ensino era feito antes da pandemia, nas aulas presenciais.
Alfazema, ao comentar sobre como ensinava seus pequenos do 2º ano, afirma:
Eu usava objetos, né? E também, por exemplo: pegava cartolina, fazia tipo uma tabuadazinha com eles para eles perderem o medo de ir até o quadro. Eu acho assim, quando o professor já ensina o aluno a ir ao quadro isso futuramente não vai causar dificuldade nele para dar uma aula, né? Coisa que eu tive muito essa dificuldade até mesmo na universidade quando eu tava, quando chegava o momento de dar uma aula lá na frente eu me acabava de nervoso, entendeu? Se você já vai colocando o seu aluno para ir até a frente pra tentar, os outros ver que ele tava tentando aprender e ao mesmo tempo ensinar aos demais, já facilitava. Dava exemplo: via a questão da quantidade de meninas que tinha na sala ou então uma fila tinha tanto na outra fila tinha quanto? Então, tanto com tanto daria quanto? Entendeu? Usava deles mesmo. (Alfazema)
A fala de Alfazema traz para discussão aspectos que vão além do ensino de conteúdo, pois nos remete para uma reflexão sobre a construção da autonomia e da autoestima, fatores essenciais na formação do cidadão.
Da mesma forma, uma proposta de ensino amparada no uso de recursos materiais, na qual o aluno tem um papel ativo e se torna agente de construção do conhecimento, também contribui na formação do cidadão. Uma experiência assim foi vivenciada por Girassol, que teve o privilégio de compartilhar o espaço da sala de aula com pibidianas do curso de Pedagogia. Diz ela:
Eu trabalhei bastante com matemática através de jogos com dominó, trabalhei bastante na hora de trabalhar medidas, réguas com práticas de peso, de feirinha. A gente produziu feirinha na sala para eles trabalharem com dinheiro, eles trabalharem com medidas. Houve muito trabalho com peso, com fita métrica pra ver o crescimento deles, pra que eles vivenciassem. Eram acontecimentos reais, não fugia do livro, não se fugia da atividade do caderno, da atividade do quadro não. Era tudo um dentro do outro. Usamos todos os recursos possíveis. Fora que essas meninas do Pibid quando vinham, muitas vezes elas traziam coisas bem mais ilustradas né, aí que eles gostavam, eles amavam. (Girassol)
A fala de Girassol relata situações que promovem o interesse pelo o assunto em estudo e isso permite que o aprendizado aconteça de forma mais leve e não de maneira automatizada, por meio da memorização das regras. Os alunos gostam de experimentar algo novo, isso demonstra a importância do papel do professor como inovador. A medida em que as aulas são ministradas não pode faltar esse momento de produção, do trabalho com atividades práticas, nas quais os alunos possam manusear os materiais didáticos, para que possam não somente ver, mas também compreender determinado conteúdo e fixar melhor o que foi ensinado.
E com esse intuito, mas tendo que se adaptar à nova realidade imposta pela pandemia, as professoras dos anos iniciais viveram a experiência de promover situações de ensino fora da sala de aula, para estudantes que se encontravam em diferentes locais, com suas famílias. Esse desafio trouxe o enfrentamento de muitas dificuldades, dentre elas se destaca a forma de contato com os estudantes, já que a maioria não tinha acesso à internet, principalmente, por serem crianças e, também, por fazerem parte de famílias de baixo poder aquisitivo. Dessa forma, o recurso mais utilizado pelas professoras foi o envio de atividades impressas, por conta da falta de um contato mais direto com os alunos.
Ao falar sobre a maneira como trabalhou a distância a resolução de problemas, com seus alunos do 2º ano, Alfazema revela que priorizou situações ilustradas. Diz ela:
Mando assim algumas partes, por exemplo, com desenhos “onde eu tenho tantos peixes tiro tanto”, entendeu? Os problemas, é dessa base com figuras, com frutas, é objetos para eles irem comparando. Se eu tenho tantas frutas tiro tanto para saber quanto é que fica, entendeu? (Alfazema)
A escolha por situações que envolvem figuras pode estar amparada na necessidade de a professora ilustrar sua fala, ou seja, quando no ensino presencial há a necessidade de uma explicação mais detalhada de uma situação-problema, é costumeiro recorrer-se a uma ilustração ou aos recursos materiais para que as crianças entendam. No ensino à distância, como não se sabe se a criança conta com a ajuda de recursos materiais, uma opção para ensinar crianças pequenas, é trabalhar-se com ilustrações.
Para as crianças maiores, que estudam no 5º ano, e já construíram certa autonomia, algumas professoras optaram por utilizar questões do livro didático.
No livro tinha a problemateca, onde trabalhei leitura, interpretação com enunciados de problemas para que eles trabalhassem a adição, subtração, na resolução de problemas que envolvem as quatro operações. Sempre mando mensagens ou áudios com o número da página do livro que vamos trabalhar, sempre no diálogo. Inclusive deixo tudo registrado em um caderno quais foram as atividades propostas, para fazer o retorno, mas não temos nada com precisão (Tulipa).
A docente ainda informa que “a explicação dos processos operatórios aconteceu por chamada de vídeo, individualmente, e tirei as dúvidas passo a passo com o livro” (Tulipa). Outras professoras recorreram aos vídeos feitos de forma mais simples, nos quais se posiciona o celular de maneira que só apareça as mãos do professor ao realizar o cálculo. Conta Lírio: “Eu utilizei os vídeos, eu usei material como aquele criando o “vídeo das mãozinhas”, utilizei poucas vezes assim, quadro, para poder explicar as operações, mas cheguei a utilizar, mas não foi muito por causa da dificuldade da filmagem [...]”. Esse recurso foi utilizado por docentes do 5º ano, pois elas necessitam explicar aos discentes processos operatórios mais longos e um pouco mais complexos, tais como multiplicar fatores envolvendo três ou mais algarismos.
Também foi mencionada a dificuldade de leitura e interpretação dos estudantes. Esse fator limitante, enfrentado por algumas professoras, foi um dos motivos delas não terem conseguido trabalhar os problemas de matemática na intensidade que gostariam, conforme relatado por Girassol ao afirmar que “ a dificuldade estava na interpretação porque já estava ligada à leitura. A falha claro, pode ser minha e da criança, com certeza.”.
A docente percebe que algumas dificuldades podem ser do professor, pois durante a pandemia foi difícil observar o aprendizado dos estudantes, porque os pais ou os irmãos maiores podiam resolver as atividades por eles, conforme destacado por Girassol. Diz ela: “Esse ano, então, eu trabalhei probleminha, mas, assim, é o que eu lhe disse, eu não sei dizer a você se é eles que estão fazendo ou as famílias.”.
Essa dúvida e outras tantas, tais como, saber qual a metodologia era mais adequada para aqueles estudantes, sendo que o contato presencial que teve com eles havia sido insuficiente para a realização de um diagnóstico objetivo que pudesse amparar a elaboração de um planejamento adequado ao aprendizado daqueles alunos, permearam a ação docente dessas professoras no período de ensino remoto e/ou a distância realizado no ano de 2020, durante a pandemia do Covid-19.
5 Análise das Atividades Propostas aos Estudantes
Entendemos que os conhecimentos aritméticos trabalhados com estudantes de turmas dos anos iniciais do ensino fundamental envolvem processos operatórios que podem ser apresentados por meio de cálculos e também inseridos na resolução de situações-problema.
Para esta discussão, optamos por analisar somente situações consideradas por nós como problemas matemáticos. Iniciamos comentando uma atividade proposta por Alfazema para seus alunos do 2º ano. Essa atividade envolve situações nas quais os dados são apresentados por meio de desenhos.
O exercício pede o seguinte: “Conte as figuras e calcule as quantidades”. Logo em seguida, pergunta-se: “Quantas borboletas há no total?”. Ilustrando, aparece desenhado um grupo com duas borboletas e outro com três borboletas. Abaixo da ilustração está o espaço para a escrita da sentença matemática (___ + ___ = ___). Após, o exercício pede para o aluno completar a frase: “Há ____ borboletas”. E com essa mesma forma de apresentação, seguem-se mais três exemplos semelhantes, mas ilustrados com objetos diferentes: frutas, bolas e peixes.
Observa-se que as quatro situações propostas pertencem à categoria Composição – Protótipo. Nos problemas protótipos de composição temos duas partes e queremos saber o todo. Vergnaud (2009) considera que esse tipo de problema já pode ser resolvido por estudantes de 4 ou 5 anos, porque são de menor complexidade.
Nas situações apresentadas por Alfazema, a presença da sentença matemática indicando qual operação deve ser realizada impede a elaboração do esquema mental que expressa a ação operatória do sujeito. Essa ação cognitiva revela a competência do sujeito para aquela classe de situações (Vergnaud, 1996). Entende-se que esse procedimento de informar aos estudantes de 1º e 2º ano a operação que deve ser realizada, pode conduzir à pergunta: “professor, é de mais ou de menos?”, atrasando, assim, o desenvolvimento dessa competência.
Problemas com esse nível de complexidade podem ser encontrados também na categoria de transformação. As situações prototípicas de transformação podem estar relacionadas a um esquema de juntar, quando há ganho, ou ao esquema de retirar, quando há perda, conforme proposto pela professora Girassol para turma do 1º ano.
A forma como a atividade está apresentada é muito semelhante a proposta por Alfazema, o que muda é a presença na situação do conceito de retirar. Diz nela: “Haviam cinco aviões no aeroporto, dois decolaram. Quantos ficaram? Após a pergunta, tem um quadro com cinco aviões desenhados e na direita, o desenho de dois aviões voando no sentido oposto dos primeiros. Abaixo, também aparece, em balõezinhos, o espaço para colocar a sentença matemática, já com o sinal de menos. Foram duas questões desse tipo, na segunda diz: “Haviam seis passarinhos no jardim, quatro voaram. Quantos ficaram?
Nos problemas de transformação protótipo conhecemos o estado inicial, a transformação e queremos encontrar o estado final, como observamos nas duas situações propostas por Girassol. Como já destacado anteriormente, são situações simples nas quais os esquemas de pensamento utilizados pela criança na resolução delas se desenvolvem em seu cotidiano ainda antes de começarem sua trajetória escolar, porém, a exploração das mesmas é muito necessária, pois é a partir desses esquemas de ação que as crianças começam a compreender as operações de adição e subtração.
As situações-problema 3 e 4 propostas por Lírio para a turma do 5º ano também são de transformação, contudo, apresentam um grau de complexidade um pouco maior.
Questão 3: “Helena comprou uma bandeja com 30 ovos e usou 10 para fazer um bolo. Item a: “Quantos ovos restaram na bandeja?”; item b: “Se ela tivesse comprado uma bandeja com 24 ovos quantos restariam?” e item c: “E se ela tivesse comprado uma bandeja com 12 ovos e usado 8 para fazer o bolo. Quantos ovos restariam?”.
Questão 4: “A sala de cinema Falb Rangel, da Casa da Cultura, tem 70 lugares. Já estão ocupados 35.”. Item a: “Quantos lugares ainda há vagos?”; item b: “Se 15 pessoas fossem embora, quantas vagas haveria?”; e item c: “Se chegassem 12 pessoas, quantas vagas ficariam?”.
O aluno precisará de maior habilidade operatória para resolver esse tipo de problema, principalmente, porque os mesmos envolvem desdobramentos da situação inicial. Ainda, os valores numéricos mais elevados impedem uma contagem nos dedos, fazendo com que o aluno perceba a necessidade de fazer um algoritmo da subtração para encontrar o resultado esperado.
Escolhemos, ainda, comentar uma situação-problema proposta pela professora Girassol, que foi retirada do livro didático da turma do 1º ano. A questão diz: “Veja o dinheiro que Claudete tem”. Aí, aparece duas cédulas no valor de R$ 2,00 e uma moeda de R$ 1,00. Abaixo da foto do dinheiro está o item “a) Complete: Ela tem __ reais ou R$ ___”; “b) Contorne o produto que ela pode comprar com a sua quantia”. Para ilustrar, aparece a imagem de um caderno custando R$ 6,00, um apontador custando R$ 4,00 e um livro que custa R$ 9,00. Na sequência está o item “c) Se Claudete comprar esse produto, então com quantos reais ela vai ficar?”; e no item “d) Com o dinheiro que Claudete tem, de quanto ela ainda precisa para comprar o livro?”.
Essa situação revela a ênfase dada à categoria de transformação, o que nos leva a reconhecer que para a turma do 1º ano, foram trabalhados com mais veemência, nesse período de aprendizagem, problemas de transformação protótipo, o que corrobora com o constatado por Etcheverria (2019).
No item “a” o aluno precisa compor a quantia presente nas cédulas e moedas para formar o todo. No item “c” a transformação trabalha o conceito de retirar ao levar o aluno a pensar no quanto tinha (estado inicial), quanto gastou (transformação) e com quanto ela vai ficar (estado final). No item “d”, observamos que o questionamento engloba uma situação da categoria de transformação 1ª extensão. Nele, conhecemos o estado inicial (R$ 5,00 de Claudete), o estado final (valor do livro), e usando a ideia de completar, descobrimos a transformação, que é quanto Claudete precisa ganhar para ter os R$ 9,00 necessários para a compra do livro.
Consideramos importante reafirmar a ideia de que a escolha das situações propostas às crianças é um fator que influência no aprendizado delas, pois pode ampliar ou restringir o desenvolvimento de um repertório de esquemas mentais e representações operatórias adequadas ao âmbito de estudo no qual se encontram.
6 Considerações Finais
Finalizamos nossa discussão, destacando que o processo de ensino dos conceitos aritméticos realizados por professoras de turmas dos anos iniciais localizadas em localidades rurais durante o ano de 2020, período da pandemia do Covid-19, esteve permeado por situações desafiadoras e imprevisíveis.
Os dados coletados revelam que a necessidade de lidar com o desconhecido fez com que elas encontrassem meios para desenvolver suas aulas, ao produzirem e/ou fazerem uso de vídeos, áudios, atividades impressas e, também, do livro didático.
Dentre as dificuldades, entende-se que o acesso e domínio dos recursos tecnológicos e da internet permeou tanto o cotidiano das professoras quanto o dos alunos e seus familiares. Os estudantes, por serem crianças, dependiam do celular do pai ou da mãe para terem acesso às atividades e/ou orientações das professoras, por esse motivo, todas disponibilizavam, via secretaria da escola, atividades impressas relativas aos conteúdos abordados nos vídeos ou áudios.
Causou muita preocupação às professoras, o fato de elas receberem retorno de poucos alunos e, ainda, perceberem algumas vezes que a atividade havia sido realizada por outra pessoa, que não os alunos. Assim, não tinham como avaliar se o processo de ensino apresentado por elas estava sendo produtivo, ou seja, se estava gerando aprendizados.
Na resolução de problemas, as docentes sinalizam uma dificuldade dos pais em orientar situações-problema contextualizadas, o que as levou a trabalhar com situações simples e mais diretas, com baixo grau de complexidade. Observou-se, ainda, a necessidade de uma proposta de ensino que promova a criação de novos esquemas de resolução para as situações-problema.
Referências
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