Introdução
Antes de analisar a arquitetura no cinema é importante conhecer a história dessas artes. A arquitetura existe desde que o homem começo a cultivar, devido a essa mudança no padrão de vida, fez-se necessário locais para o armazenamento das produções agrícolas. O principal material das primeiras cidades foi o barro. Acompanhando a evolução da humanidade, a arquitetura se desenvolveu e logo foi categorizada em estilos, facilitando a compreensão dessa arte. É importante ter em mente que a arquitetura reflete o espírito da sociedade em que foi construída, além disso ela está diretamente ligada aos materiais disponíveis em cada época.
Em 1895 com a Exibição do curta-metragem dos irmãos Lumiére, considerados pais do cinema, o cinema começa então a se popularizar. Os irmãos Lumiére tinham uma perspectiva mais realista e retratavam em seus filmes o cotidiano das pessoas. Méliès é citado na história do cinema como um realizador em oposição aos Lumiére, que ao contrário destes, tinha aspiração ilusionista e utilizava de truques e efeitos em seus filmes, em busca de uma aura mágica para criar mundos alternativos. A era industrial e a evolução tecnológica são um fator importante na história do cinema. Com o constante desenvolvimento tecnológico, o cinema foi ganhando novas ferramentas de produção e inovações como o som e a cor. Mas essas inovações não foram aceitas por todos no primeiro momento. A partir da década de 1920 o cinema já era reconhecido como uma forma de arte poderosa e as teorias do cinema começaram a surgir. As principais são a teoria formativa, realista e a francesa contemporânea.
A arquitetura fílmica é toda construção utilizada como legitimador do espaço fílmico, seja ela física, virtual, construída ou existente. Segundo Allon (2005), a arquitetura fílmica deve cumprir três funções: a função técnica, a função crítica e a experimental. Apesar da cidade e arquitetura terem sido palcos de filmes desde o início do Cinema, a sua relação vem sendo estudada com mais intensidade nos últimos anos, apesar de existirem escritos desde 1920. Nesse sentido o material a respeito da arquitetura fílmica ainda é muito limitado.
Assim, este artigo traz o levantamento e análise voltadas para a relação dessas duas áreas do Saber: Arquitetura e Cinema, é um dos produtos desenvolvidos em Programa de Iniciação Científica, na Universidade Federal de Sergipe-UFS, intitulado Arquitetura Fílmicas, com apoio de bolsa CNPQ, com duração de 2020-2021, sob coordenação da Profa. Adriana Dantas Nogueira (Depto de Artes Visuais-UFS). Além de apresentar o referencial teórico sobre o tema, o objetivo deste artigo é analisar o filme de ficção científica, Elysium de Neil Blomkamp, sob este aspecto relacional.
A análise da arquitetura fílmica sobre o filme Elysium, não tem intuito de criar novas teorias ou métodos de análise, mas sim de compreender a forma como foi utilizada a arquitetura fílmica e qual papel desempenha. Não existe um método universal de análise fílmica, mas existem alguns métodos que podem ser utilizados, como em relação a narrativa, à temática a partir da história, da filosofia, da política, ou mesmo em relação à estrutura linear ou não cronológica, referente ao estudo dos elementos composicionais da imagem de fotogramas, referentes ao som, entre outros. Na análise proposta, o método de análise de imagem composicional será utilizado, descrevendo alguns elementos da linguagem cinematográfica.
Esta investigação é de extrema importância na compreensão acadêmica e educação interdisciplinar entre as duas áreas. Tanto o Cinema e a Arquitetura que trabalham com o tempo e história e por si só já são educativas e formadoras de saberes. Investigar a Arquitetura no Cinema, lincando as duas áreas nos possibilitam pensar em formas de as utilizar como ferramentas pedagógicas e didáticas no ensino, e nas possibilidades de mais estudos.
Arquitetura, a arte de construir
Em termos de definições a arquitetura, a grosso modo, é a ciência e arte de construir com o objetivo de organizar o espaço para determinada função. Segundo Lúcio Costa (1980), arquiteto e urbanista brasileiro, é no processo de organizar e ordenar que a arquitetura se expressa como arte plástica, e é justamente esse caráter plástico que diferencia a arquitetura da construção. Ainda segundo autor mencionado “enquanto satisfaz apenas às exigências técnicas e funcionais – não é ainda arquitetura; quando se perde em intenções meramente decorativas – tudo não passa de cenografia”. A arquitetura depende de sua época, do contexto social em que é construída e dos materiais disponíveis.
A arquitetura teve início com o surgimento da agricultura, pois passou a ser necessário um local para viver e armazenar. Esse modo de vida surgiu em dois lugares diferentes, mais ou menos ao mesmo tempo, nas margens do Rio Nilo e no Crescente Fértil que se estendia numa curva a partir do delta Eufrates/Tigre, seguindo para o ocidente, rumo à Síria, e depois para o sul pela costa oriental do Mediterrâneo. (GLANCEY, 2001)
A arquitetura mais antiga e as primeiras cidades surgiram no Egito, Israel, Iraque e Irã. Em Jericó, encontra-se o mais primitivo desenvolvimento urbano do ponto de vista da arquitetura. As casas eram feitas de tijolos de barro, anteriores a 8000 a.C, e santuários com cerca de 7000 a.C. de acordo com as escavações. Um dos maiores templos primitivos é o zigurate – pirâmide em degraus – de Urnammu, em Ur, na Suméria. Dedicado a Nanna, deus da lua, o zigurate se erguia acima de uma cidade com cerca de 350.000 pessoas como uma montanha artificial. Foi remodelado pela última vez por Urnammu e seus sucessores por volta de 2125 a. C., embora seja mais antigo. Um dos mais famosos zigurates do mundo antigo é a Torre de Babel. (GLANCEY, 2001)
Estudar a história da arquitetura é o mesmo que estudar a História da Humanidade, e, de acordo com seu desenvolvimento, foi dividida em estilos arquitetônicos para se referir a determinado período da história. “Cada estilo possui um determinado número de elementos arquitetônicos bem definidos. Assim, como um subsídio útil para classificação dos estilos, poderíamos falar de uma atividade arquitetônica típica, por exemplo, o Românico, o Gótico ou o Renascimento” (KOCH, 1996, p. 7)
Os estilos arquitetônicos vão desde o nascimento das cidades antigas, até os dias atuais. A pretensão não é a de ilustrar toda a história da Arquitetura, mas sim deixar o leitor ciente de algumas informações para que tenha o mínimo de compreensão prévia necessária para entender a dinâmica de uma análise da arquitetura fílmica, já que “a arquitetura surgiu da primeira moldagem consciente de lares, monumentos e cidades, há cerca de oito ou nove mil anos”. (GLANCEY, 2001). Nesse sentido, as principais caraterísticas de cada estilo arquitetônico serão referencial teórico principal.
A arquitetura do mundo antigo se refere à arquitetura produzida pelo Egípcio, gregos e romanos. Os egípcios possuíam uma arquitetura misteriosa e coerente com seus próprios princípios. É concentrada na construção de pirâmides e templos, pois toda a sua cultura, arte, religião e sociedade é voltada à crença da vida após a morte “Os egípcios sustentavam a crença de que a preservação do corpo não eram bastante” (GOMBRICH, 2015). Assim, havia necrópoles em que as pirâmides ficavam no meio da cidade murada e composta por templos e salões. A arquitetura do Egito Antigo é conhecida pela grandiosidade das construções para demonstrar o poder do faraó, os templos podiam ser construídos dedicados ao faraó ou dedicados a um deus específico.
Já os Gregos oferecem uma ligação harmoniosa entre a humanidade e os deuses através da perfeita geometria a ordem dos templos. Em sua arquitetura é utilizada três ordens clássicas de estilo de colunas e sua estrutura e decoração. A dórica comumente relacionada ao masculino, a jônica e a coríntia é relacionada ao feminino por serem mais suaves e decoradas, menos robustas e fortes. Todas as três ordens foram desenvolvidas a partir de colunas egípcias. A arquitetura dos gregos é séria e leve, com certa imponência, com tons sóbrios e decoração rica, “mas foram principalmente os grandes templos rodeados de colunas, o períptero e o díptero, que mais influenciaram a imagem que possuímos da arquitetura grega (KOCH, 1996)”. Como material eram usadas mármore, madeira maciça, pedras preciosas entre outros recursos. (GLANCEY, 2001; GOMBRICH, 2015).
A arquitetura romana refletia a postura sóbria diante da vida. Os romanos utilizavam um tipo diferente de “concreto”, diferente do conhecido atualmente, e por ser um material maleável deu a possibilidade de uma construção de grande escala e livre, por isso são mestres no que chamam de construção plástica. A arquitetura romana tem influência grega e etrusca “Era típico dos romanos adotarem da arquitetura grega aquilo de que gostavam e aplicá-lo às suas próprias necessidades”, utilizaram as ordens clássicas gregas com a adição da toscana e a compósita, além disso utilizam a coluna como elemento decorativo em templos, banhos e arenas. Fizeram colunas planas ou meia-colunas, conhecidas por pilastras e introduziram o arco. “A mais importante característica da arquitetura romana, entretanto, é o uso de arcos” (GLANCEY, 2001; GOMBRICH, 2015).
O estilo clássico se refere a construções com aspirações a arquitetura greco-romana e suas caraterísticas, como por exemplo, o uso das ordens dórica, jônica, coríntia, compósita, arco, capitéis e etc. Por tanto, o estilo clássico reflete sobriedade e imponência, a verticalização, tons sóbrios, decoração rica e utilização de materiais nobres, são algumas das características do estilo clássico.
A arquitetura Medieval compreende ao estilo bizantino, românico e ao gótico. O medievo vai do século V ao XV, e nesses três estilos o ponto em comum é a aspiração cristã. A arquitetura bizantina no Império de Bizâncio preserva a erudição clássica. No século VI, Justiniano revolucionou a arquitetura como um todo, a igreja Hagia Sophia é um dos mais magníficos desse estilo. Em sua estrutura traz a cúpula que se tornou modelo para grandes catedrais renascentistas, esta igreja é ricamente decorada e mostra uma ruptura com o classicismo romano. (GLANCEY, 2001)
O estilo arquitetônico românico é tido como a transição para o estilo gótico. O seu desenvolvimento se deu na Era das Trevas. Carlos Magno estudou o mundo antigo e tornou-se seu desejo recriar o Império Romano. O estilo românico que surgiu, baseado em elementos estruturais maciços, abóbadas e arcos romanos, adaptava-se particularmente aos senhores guerreiros normandos (o estilo românico é chamado normando na Europa e nos Estados Unidos) adotaram e desenvolveram o novo estilo românico com vigor militar. A arquitetura românica é maciça, mas não flexível e com a difusão da planta gótica, o estilo se esvaiu. (GLANCEY, 2001)
A arquitetura gótica surgiu na França, na época das Cruzadas. O objetivo dos construtores, clientes e arquitetos das novas catedrais era construir o mais alto e com vidro quanto fosse possível. Elas deveriam ser escrínios de luz, a luz brilhava através dos vitrais e naves principais, laterais e coros iluminados, ricamente decorados. O uso do arcobotante foi a chave para se construir tão alto, a arquitetura gótica também utiliza arcos, arcadas, abóbodas, vitrais, rosáceas, rendilhados, gárgulas. Ela é monumental e suntuosa, as torres são pontiagudas e esguias, a planta arquitetônica é em formato da cruz latina, com paredes mais finas e leves, além de grande iluminação interior pelo maior número de janelas e portas. Boa parte das construções góticas foram feitas em pedra, madeira e tijolo. “Entretanto, desde que os cálculos fossem corretos, era possível construir uma igreja de um tipo inteiramente novo; uma edificação de pedra e vidro como jamais o mundo vira. Essa é a ideia dominante das catedrais góticas, a qual foi desenvolvida no norte da França durante a segunda metade do século XII”. (GOMBRICH, 2015; GLANCEY, 2001)
No renascimento o homem passou a se considerar a medida de todas as coisas e esse racionalismo foi combinado com a redescoberta da arquitetura romana. “A ideia de um renascimento associava-se na mente dos romanos à ideia de uma ressurreição da "grandeza de Roma". O período entre a idade clássica, para a qual voltavam os olhos com orgulho, e a nova era de renascença, que aguardavam com esperança, era meramente um melancólico interregno. "O Período Intermédio". Assim, a ideia de uma renascença foi responsável pela ideia de que o período interposto era uma Idade Média” (GOMBRICH, 2015, p. 167). A geometria foi essencial na formação no renascimento, o planejamento urbano e a arquitetura deviam ser racionais e humanos. O alto renascimento se refere a era em que os arquitetos italianos começaram a analisar e a reinterpretar a arquitetura romana, eles estudavam e apendiam com os edifícios passados. (GLANCEY, 2001).
O maneirismo é considerado o período de transição entre o renascimento e o barroco, “a palavra "maneirismo" ainda retém para muitas pessoas a sua conotação original de afetação e imitação superficial de que os críticos do século XVII haviam acusado os artistas do final do século XVI” (GOMBRICH, 2015, p. 167). Na arquitetura os maneiristas eram ilusionistas e a tratavam como um jogo. A arquitetura estava passando do domínio cívico e eclesiástico para o privado, com isso começou a se tornar mais leve. Ainda se utilizava o estilo renascentista, mas com mais liberdade. (GLANCEY, 2001).
O barroco irrompido na década de 1630 do século XIX foi considerado um estilo exuberante. Suas formas curvilíneas, ousadas, floresceram principalmente na Europa católica e notavelmente no sul da Alemanha e na Áustria, onde assumiria algumas de suas formas mais fantásticas. Na Grã-Bretanha o barroco se torou um estilo independente e diferente do que se praticava em outras regiões. A principal diferença era o fato de que a Grã-Bretanha é um país protestante, e o barroco foi considerado uma arma tridimensional da propaganda papal. (GLANCEY, 2001). “A essência dessa nova arquitetura é a representação (...) é utilizada com exuberância em castelos e parques de dimensões gigantescas r multiplica sua pompa no espelho de pequenos lagos artísticos” (KOCH, 1996 p.50).
O rococó no século XVIII, era vista como desajeitada ou exuberante, em um floreio de decoração exuberante ou decadente. Pode ser considerada uma extensão do barroco, o rococó foi elemento final de uma arquitetura cada vez mais fantásticas e caprichosa. (GLANCEY, 2001).
Com a revolução Industrial o arquiteto é desafiado a utilizar novos meios de produção e materiais. O ferro fundido e o metal passaram a ser utilizados, e com novos materiais também veio a variação arquitetônico como forma de descobrir o que poderia ser feito com esses materiais. (GLANCEY, 2001).
Na arquitetura moderna, também conhecida como a era da máquina, é marcada principalmente pelos arranha céus. Desenvolvida a partir do século XX, em rejeição a estilos históricos, o estilo moderno é regido pela funcionalidade e padronização, aliado a produção em massa e a necessidade de reconstruir as cidades no pós-guerra, criou-se um estilo internacional. Este estilo de construção de concreto, vidro e aço vem sendo criticada pela impessoalidade e por ser considerada uma arquitetura de container, onde as casas e edifícios são comparadas a caixas.
A arquitetura pós moderna é identificada na segunda metade do século XX, surge como oposição aos ideais da arquitetura moderna. (GLANCEY, 2001; HABERMAS, 1987)
Cinema, a sétima arte
O Cinema é uma arte relativamente nova, com um mais de um século desde o seu surgimento. Assim como as outras artes, o Cinema passa por desafios, conflitos, resistências e inovações. Ao longo dessas histórias vários termos para tentar designar o cinema, alguns desses foram utilizados como metáforas gerando associações ao fenômeno cinematográfico. Como tentativa de definição exata, o termo cinematógrafo se proliferou, mas devido os questionamentos a respeito do cinema e sua função, esse propósito não foi alcançado. (NOGUEIRA, 2014)
No aspecto da matéria do cinema, pode-se se resumir a discussão em duas posições: a eclética e a reducionista. Os reducionistas pretendiam de alguma forma manter a pureza técnica e fenomenológica do cinema, queriam resguardar as propriedades da imagem, o tamanho da tela, a sensação de escala, etc. Na expectativa de que a produção artesanal da criação cinematográfica fosse um atestado de nobreza de uma arte, que as tecnologias digitais ou de vídeo não seriam suficientes para atestar tal nobreza. Para os ecléticos, com dificuldade de aceitação, o cinema poderia se resumir a uma questão de matéria, estética ou de autenticidade na sala escura. Os ecléticos não negam a importância da técnica e experiência do criador e do espectador, mas não aceitam uma posição normativa que determina o que é e o que não é cinema baseado em fatores nem sempre estáveis. (NOGUEIRA, 2014)
Várias teorias surgiram para explicar as origens do cinema, e duas ganham destaque: a teoria em que o cinema é visto como resultado de invenções tecnológicas e a comercialização de instrumentos; e a teoria em que o cinema se desenvolveu a partir de forças ideológicas e socioculturais. (COSTA, 2011)
Segundo Costa (2011), o cinema pode ser visto como “tecnologia-social” no sentido de representação da sociedade. Nesse sentido é importante estudar o contexto social a época em que foi inventado.
O cinema surgiu em um momento de desenvolvimento industrial e pesquisas no campo da óptica e da visão. Muitos viam o cinema como resultado de pesquisas e do desenvolvimento de novas ferramentas. E por muito tempo a tecnologia foi vista como o elemento essencial do cinema. (COSTA, 2011)
Resumidamente, o Cinema começa como um espetáculo e não necessariamente para contar histórias, mas sim como um fator de atração e espanto. As histórias sofisticadas chegaram mais tarde. Existe uma concordância de que o cinema começou de fato em 1895, com a exibição de filmes curtos de Auguste e Louis Lumière, como A chegada do Trem à Estação de Ciotat, patenteando o cinematógrafo. Os irmãos Lumiére eram industriais da área da fotografia e um dos atores que concorriam no registro de movimentos em imagens. O Cinématographe funcionava como máquina de filmar e projetar ao mesmo tempo. Apesar do sucesso dessa ferramenta, inicialmente os irmãos acreditam ser uma invenção sem futuro, a viam como uma curiosidade tecnológica e sem valor comercial. (NOGUEIRA, 2014)
Na história do Cinema existe uma diferenciação entre o trabalho dos irmãos Lumiére e o trabalho de Georges Méliés. A dupla tinha uma propensão ao realismo, uma atenção voltada ao cotidiano e fidelidade em relação aos acontecimentos. Já Méliés tinha uma ambição criativa, a dispensa da realidade em busca de uma forma quase mágica e onírica para a invenção de um mundo mágico. (NOGUEIRA, 2014)
As teorias do cinema podem ser consideradas propostas de abordagem e discussão a respeito de reflexões sobre a função, importância e a definição do cinema. Três teorias são consideradas as principais: a teoria formalista com teóricos como Hugo Munsterberg, Rudolf Arhneim, Sergei Einsenstein e Béla Balázs; a teoria realista com os teóricos Siegfried Kracauer e André Bazin; teoria cinematográfica francesa contemporânea com Jean Mitry, Christian Metz e Amédée Ayfre. (ANDREW, 2002)
As teorias surgem antes do Cinema completar 20 anos, seus primeiros escritos traziam a discussão do lugar do cinema na modernidade. O Cinema foi comparado a outras artes, e não tinha um lugar efetivo como arte. As primeiras teorias surgiram como anúncio de pesquisas cientificas, os simpatizantes do cinema acreditavam que o primeiro passo necessário seria a separação do cinema de outros fenômenos artísticos a que era associado. O fim do cinema mudo significou a construção de ensaios importantes, e por volta de 1929 o número de publicações indicava que uma comunidade mundial considerava o cinema uma poderosa forma de arte. Com a introdução do som, estetas apareceram para debater a direção do cinema após essa inovação. Essas discussões aconteceram numa esfera formativa, porém marcou o declínio da teoria normativa do cinema. Hugo Munsterberg escreveu The Photoplay: A Psychological Study, em 1916, a primeira e mais direta das principais teorias do cinema (ANDREW, 2002). Na abordagem normativa é onde surgem as noções de “linguagem do cinema”, “gramática do cinema” (CHAGAS, 2002).
A teoria da tradição fotográfica ou realista é a concorrente da teoria formativa predominante nos primeiros anos do cinema. Desde o início a teoria realista esteve ligada a função social da arte. O cinema realista deveria ser uma alternativa absoluta, um cinema com uma consciência verdadeira tanto para a percepção cotidiana quanto para a situação social. (ANDREW, 2002)
A teoria realista do cinema foi mais plenamente elaborada por dois homens para os quais o cinema existe afirma da ação política prática. Embora de modo algum possam ser consideradas politicamente neutros, Kracauer e Bazin viam o cinema num vasto contexto em que incluíam em grande medida a política, mas que não era dominado por ela. Seu compromisso era, em primeiro lugar, com a realidade. Sua vocação era harmonizar a humanidade com a realidade via cinema. (J. Dudley Andrew, 1976, tradução 2002, p.92).
Segundo Andrew (2002) essa teoria contemporânea significa um renascimento das teorias do cinema, e Bazin liderou esse movimento com a descoberta de disciplinas como, por exemplo, filosofia da arte, crítica literária e a psicologia. Bazin atuava fora do sistema universitário, mas em 1950 vários professores tentaram adotar e legitimar o estado do cinema.
"A síntese que Mitry tentou fazer entre as ideias de Bazin e o formalismo mais tradicional, que ele instintivamente prefere, é o esforço de um especialista dedicado. Todos os outros teóricos que estudamos, pode-se dizer, preocupava-se basicamente com passado, o presente e o futuro do cinema. Com Mitry, sem disse que as suas ideias sobre cinema " substituíram "cinema" como foco central da investigação". (J. Dudley Andrew, 1976, tradução 2002, p.148).
O florescimento da teoria contemporânea pode ser melhor visto exatamente nessas salas de aulas universitárias, em teses de doutorados, em revistas e livros especializados sobre cinema. A transição da era do cineclube para universidade sofreu influência de Jean Mitry, que pertence a um estágio mais novo da teoria do cinema e se tornou essencialmente primeiro professor de cinema reconhecido da Universidade de Paris; seus livros foram publicados pela Éditions Universitaires. (ANDREW, 2002)
Como é esperado da arte, o Cinema é marcado por transformações em seu processo. A cor, o som e as ferramentas são elementos importantes nessas transformações. Para alguns a introdução ou criação de um novo aparato tecnológico significou um avanço no sistema de representação cinematográfica, mas para outros esse seria o declínio do cinema marcando perca de qualidade e de função essencial do cinema. (ANDREW, 2002) (COSTA, 2011)
O uso da cor foi associado a aspectos físicos, como a cor afeta o espectador a ponto de causar sensações; aspectos psicológicos, relacionado a estimulação de respostas psicológicas; e no sentido estético, na escolha seletiva das cores de acordo com a proporção, posição entre outros elementos do filme. A cor pode ser entendida como mecanismo para promover ainda mais realismo ou se libertar dele. Nos primeiros filmes em cor não eram tão realistas e apresentavam alguns problemas, nesse sentido houve resistência na utilização da cor, e muitos filmes continuaram a ser produzidos em preto e branco. Com o tempo, a cor no cinema foi aceita, mas isso não significou o extermínio do preto e branco, ao contrário, o P&B adquiriu novos significados. (COSTA, 2011)
A introdução do som síncrono no Cinema se deu no final da década de 20, que para muitos significou a perda da experimentação artística e ousadia criativas. O som foi introduzido de forma satisfatória após três décadas após seu surgimento e foi responsável por transformações estéticas e criativas. (NOGUEIRA, 2014)
Nas tentativas de inovações o fator econômico também é importante, influenciando no sucesso ou fracasso. A introdução do som e da cor são exemplos da pressão econômica. Em meados de 1920, em Hollywood, o som foi usado como uma forma de ganhar audiência e solucionar problemas financeiros. De acordo com Costa (2011) a introdução de inovação tecnológica no cinema deve ser analisada e interpretada por meio de três etapas: o desenvolvimento do invento; a etapa de “inovação”; e a etapa de “difusão”. A primeira etapa, a invenção é vista como um “sistema de conceitos ligados em conjunto”, fazendo referência aos sistemas econômicos e ideológicos. A segunda etapa se alcança quando o “novo produto” for lucrativo. A terceira, como o nome sugere, se refere a inserção do produto no mercado. (COSTA, 2011)
Alguns dos artefatos tecnológicos podem ser encontrados em produções cinematográficas, como a Câmara escura e a lanterna mágica, mas outros são mais desconhecidos como o taumatrópio, dioramas e panoramas, fenaquistiscópio, zootrópio, praxinoscópio, cinetoscópio e o cinetógrafo, entre vários outros instrumentos cinematográficos. (NOGUEIRA, 2014)
Arquitetura Fílmica
A arquitetura é uma arte que interfere diretamente no espaço, e junto com o Cinema são consideradas artes onde o sentido espacial e temporal é mais forte. Enquanto agente fílmico ativo, a arquitetura nos permite várias possibilidades de leituras, funcionando como uma espécie diferente da nossa arquitetura habitual que Allon (2015) chama de “arquitetura marginal”. Há uma tendência em analisar a arquitetura como um pano de fundo. (ALLON, 2005).
A cidade, a arquitetura e espaço urbano estiveram presentes no cinema desde a primeira exibição pública dos irmãos Lumiére. Com a produção de curtas a cidade se revelava como uma possibilidade de variedade de cenário, e a arquitetura como cenário possibilitou o encontro com o cinema com a produção de cenários para superproduções. Ao longo do desenvolvimento do cinema a arquitetura passou a ter grande importância. Foi utilizada, por exemplo, em produções de documentários afirmando a veracidade do filme; ela também pode ser utilizada como representações de estados psicológicos, um exemplo dessa associação psicológica é a arquitetura utilizada em Metrópolis, de Fritz Lang (1927). Os cenários que, em geral, seriam como pano de fundo, em filmes passaram a ser protagonistas (CHAGAS, 2008; ALLON, 2005).
Segundo Chagas. R. (2008) a relação entre cinema e arquitetura vem sendo estudada com mais intensidade desde 1980, mas desde 1920 já existiam alguns escritos publicados sobre cinema e arquitetura.
É importante mencionar que Arquitetura Fílmica é diferente do espaço fílmico, pois o segundo é uma realidade independente circunscrita pelo filme. Esse espaço é formado no campo e fora do campo, o campo se constitui pelo que é visível no quadro da imagem. O espaço fílmico é o sistema de representação onde diversos recursos podem ser manuseados para a construção da realidade apresentada no filme, dentre os quais a arquitetura, os atores, jogos de luz e sombra, cor e etc. fazem parte. (ASSUNÇÃO, COSTA, 2013; ALLON, 2005).
A arquitetura fílmica é todo e qualquer tipo de construção para conferir legitimidade ao espaço fílmico, que pode ser física, virtualmente construída ou existente que será capturada pelas lentes. No papel de referência ao espaço-tempo em que a narrativa do filme se passa, a arquitetura enquanto elemento do espaço fílmico vem representando cidades reais ou utópicas. (ALLON, 2005).
A arquitetura mostrada no filme é diferente da arquitetura da realidade, a subjetividade em que vemos no espaço filme é resultado do processo cinematográfico como recorte da realidade e o que ela pode proporcionar. No espaço fílmico, uma cidade e sua arquitetura podem ser incorporadas como elemento de representação de uma cidade utópica ou um espaço tempo diferente. (ALLON, 2005).
Segundo Allon (2015) existem três funções principais da arquitetura fílmica: a função técnica, de representação onde a arquitetura serve como espaço de ação do filme; função crítica e de discussão, a arquitetura tece comentários e reflete sobre o existente; e a função criativa e de experimentação, ela pode ser campo para testes e colocar em pauta novas visões. Para atingir um nível satisfatória da arquitetura fílmica na segunda e terceira função é necessário que a construção da imagem da arquitetura como um agente fílmico ativos, em que os aspectos técnicos que ressalta a natureza, a função e a atmosfera do lugar sejam atendidos. “Mais do que apenas acumulação de objetos, a arquitetura fílmica é espaço pelo qual se circula, é imersão em algo mais amplo que ela mesma, é o ambiente todo que extrapola o enquadramento” (ALLON, 2015, p.43).
Análise da Arquitetura Fílmica em Elysium
Segundo Aumont (2004) a análise fílmica não é uma atividade nova, e o que possibilita uma teorização da análise fílmica é a inserção da teoria do cinema no contexto universitário, proporcionando uma análise mais minuciosa. Segundo o autor, a análise fílmica não deveria ser uma disciplina, e sim uma aplicação do desenvolvimento e invenção de teorias e disciplinas. Em seu livro -A análise do Filme (2004), evidencia que não existe um método universal de análise, e seu objetivo pode ser o de apreciar e compreender melhor a obra, ou desejo de esclarecer a linguagem cinematográfica sempre tratando o filme como obra autônoma.
A análise de filmes está presente em vários discursos, seja de caráter publicitário, monográfico ou um simples comentário. Analisar um filme pode ser interpretado como uma separação, um desmembramento do filme. E como não existe um método universal, existem variações no tipo de análise, mas é comum que a análise, independentemente do tipo, decomponha e descreva os elementos do filme, em seguida evidenciando a relação entre eles (PENAFRIA, 2009).
A análise, por tanto, tem o objetivo de esclarecer o funcionamento do filme e propor uma interpretação. Diferente da análise, a crítica tem o objetivo de avaliar e atribuir um juízo de valor de um filme (PENAFRIA, 2009).
Existem alguns tipos de análises. A análise textual que considera o filme um texto, onde o divide em segmentos e se aplica a estrutura da narrativa. A análise de conteúdo, considera o filme um relato, e leva em consideração o seu tema. A análise poética entende o filme como a criação de efeitos, em que o filme pode ser entendido como uma composição estética se os seus efeitos forem de ordem de sensação, ou de composição comunicacional se os seus efeitos forem de sentido. E a análise da imagem e do som, que entende o filme como um meio de expressão e se concentra no espaço fílmico. (PENAFRIA, 2009).
Em Elysium, a análise da imagem de fotogramas foi realizada como uma tentativa de identificar numa linguagem simples a forma, a função e o tipo de arquitetura fílmica utilizada de acordo com a proposta do espaço fílmico.
Elysium é um filme lançado em 2013 de ficção científica, mas não se resume apenas a entretenimento, trazendo o estilo documental atrelado a críticas sociais e política, além do CGI- Imagens criadas em computador- para atender as exigências da ficção científica (NOGUEIRA, 2010). A combinação desses estilos é uma característica do diretor e em Elysium foi bem aceito pelo público. O filme é de longa-metragem com duração de 1h:30min.
A narrativa se passa na metade do século XXII, em 2154 onde o espaço fílmico é construído na cidade de Los Angeles. Assim como outros filmes de caráter crítico e de ficção científica, Elysium nos mostra uma visão pessimista do futuro, as pessoas são divididas em classes. Na Terra vivem os pobres, em Elysium, um satélite criado para habitação, vivem os ricos. Dentro do espaço fílmico, a linguagem cinematográfica e a arquitetura fílmica são utilizadas para legitimar o discurso e tempo narrativo proposto.
Como condicionantes do espaço fílmico foi utilizado técnicas como plano sequência, plano americano, close, contra-ponglé, movimentos de câmera, travelling, sequência, montagem, e montagem paralela, etc. (FERREIRA; FIDELIS, 2008)
No filme foi utilizado uma arquitetura existente. A sequência na Terra foi filmada em partes pobres do México, e as cenas em Elysium foram gravadas em Vancouver, no Canadá (FORLANI, 2018). O que nos interessa nesse cenário é a Arquitetura, a forma em como ela foi introduzida na história. No filme tem-se uma noção futurista, tanto nas relações das personagens, no contexto político, quanto na arquitetura. O estilo modernista e pós-modernista futurista é evidenciado durante todo o filme, desde as cenas iniciais.
Apesar do foco na arquitetura, é importante tecer alguns comentários a respeito do uso da cor, das metáforas existentes nas sequências, metáforas visuais e o diálogo com os problemas sociais.
Se tratando de um filme classificado como ficção científica, que se configura como “todo o relato que efabula ou especula sobre mundos e acontecimentos possíveis e partir de hipóteses logicamente verossímeis”, e que, “no cerne da ficção cientifica está (...) muitas vezes, um questionamento das consequências dos avanços tecnológicos e científicos sobre o destino da humanidade” (NOGUEIRA, 2010). Elysium cumpre com todas as exigências do gênero, trazendo ainda o caráter documental. É possível traçar em determinadas cenas, e na história em geral, críticas a modernidade indo do ponto de vista de problemas econômicos, ambientais e políticos. Algumas dessas críticas são sutis, se utilizando de pequenas menções em plano sequência, close e metáfora.
Inicialmente, seis (6) sequências principais foram identificadas, a partir da observação fílmica e uma tentativa de ordenamento sequencial para a análise:
a) Sequência 1- os planos referentes ao travelling aéreo apresentando a Terra ao espectador;
b) Sequência 2- os planos referentes lembrança da infância do protagonista;
c) Sequência 3 – planos referentes ao padrão de vida em Elysium;
d) Sequência 4 – referente ao percurso do protagonista até o seu local de trabalho;
e) Sequência 5 – referente ao protagonista no local de trabalho;
e) Sequência 6- planos referentes a Elysium.
A primeira crítica é notada de imediato, se trata da estratificação da população, da divisão de classes. E diretamente se relaciona com o problema econômico da desigualdade da distribuição da renda entre a população, onde 1% acumula maior parte da riqueza monetária e consequentemente utiliza de seu privilégio para se proteger da destruição da Terra em Elysium. Os 99% restante da população vive em condições desumanas, sem proteção, sem saúde, e submetidos a violências constantes. Apesar de se tratar de uma visão do futuro, uma visão pessimista, essas críticas são direcionadas para os nossos dias, para o século XXI.
Em praticamente todas as Sequências mencionadas é possível notar esse reforço à crítica da divisão de classes. Na sequência 3, em primeiro plano temos uma personagem e, ao fundo, uma paisagem rodeada de elementos naturais. Nessa sequência é possível identificar o padrão de vida das personagens em Elysium.
Na sequência 4, em termos de espaços urbanos, temos uma “Visão Seriada”, ou seja, ao espectador o percurso do protagonista, saindo de sua casa até ao seu local de trabalho, é apresentada (CULLEN, 1959). Em um plano dessa sequência, em perspectiva vemos uma rua sem pavimento e apropriada por movimento. Tanto as pessoas como as edificações domésticas possuem um aspecto caótico e em tons de cinzas. Nesse mesmo plano, o olhar do protagonista e o olhar do espectador se confundem e são direcionados ao centro do enquadramento, onde o final da rua se encontra.
Entre os planos das sequências 3 e 4, é possível notar a diferença gritante do padrão de vida das pessoas que vivem na Terra, e, das pessoas que se protegem em Elysium. Enquanto em um não se tem recursos para manter uma alimentação saudável ou um padrão de higiene considerado aceitável, o outro lado desfruta de todas as regalias que o dinheiro e a exploração podem comprar, entre bebidas e banhos em piscinas, os moradores de Elysium vivem suas vidas tranquilamente.
O diretor faz uso da montagem narrativa com a justaposição de sequências e planos diferentes para reforçar a diferença entre os padrões de vida dos dois mundos. Em uma dessas alternações o protagonista ainda criança é apresentado como um sonhador.
Na sequência 2, onde o protagonista ainda é criança, se tratando de uma lembrança, ele aparece olhando para Elysium em contra-plongée, vista de baixo o que na narrativa ressoa como algo superior, inalcançável e distante. Nessa sequência, a criança da terra é retratada com sujeiras pelo corpo, ferimentos e roupas maltrapilhas. Já no plano paralelo na sequência 3, a criança de Elysium é saudável, bem-vestida, e servida com um banquete.
Em um plano da sequência 4, os trabalhadores da terra são submetidos a vistorias. Em uma delas, o protagonista já adulto sofre violência policial. Essa é mais uma crítica sutil que pode ser lincada ao nosso tempo, o argumento do trabalhador não é ouvido e não tem importância, ele apenas é um suspeito. No momento da agressão o plano é cortado pela passagem de um ônibus com as iniciais “LA” e em seguida um close é utilizada na palavra “Policial”. Esses dois elementos podem ser encarados como metáforas, para sugerir que essa é a realidade de Los Angeles- do nosso mundo, e esses são os policiais. Além disso, na sequência 5 é evidente que os oprimidos produzem a própria ferramenta de opressão, que nesse caso são os robôs, naves, misseis e etc. O sistema do espaço fílmico é capitalista, e tudo é produzido através da exploração dos que precisam sobreviver na Terra.
No espaço fílmico de Elysium, as cores também são fundamentais para as relações emocionais e de identificação. Na terra, sequência 1, 2 e 4, o cinza predomina, o qual é diretamente relacionado à poluição, destruição, pobreza, falta de recursos e em Los Angeles se cria uma atmosfera apocalíptica onde o caos está em toda parte. O verde é utilizado como sinal de saúde e prosperidade, e aparece com frequência em Elysium.
Em um plano da sequência 6, o vermelho de alguns robôs de segurança é imediatamente relacionado a perigo-sangue. Podemos interpretar neste plano as cores verde e vermelho, que são complementares, como o contraste direto entre prosperidade e violência. Ou seja, para os sobreviventes da terra, Elysium é prospero e saudável, e simultaneamente representa perigo. O branco também predomina nas sequências 3 e 6 em Elysium.
Segundo Allon (2015), arquitetura fílmica é qualquer tipo de construção utilizada para dar legitimidade ao espaço fílmico, sendo física ou virtual, que pode ser criada ou já ser existente. Em Elysium a arquitetura é um agente fílmico ativo e confere a história confiabilidade, e legitima a narrativa. E para isso o estilo arquitetônico utilizado é o moderno e pós-moderno.
Na Terra, no travelling aéreo da sequência 1, na sequência 4 e 5, é possível notar nitidamente as caraterísticas da arquitetura moderna como os arranha-céus de concreto, vidro e ferro, as formas geométricas das casas e edifícios, e ausência de ornamentação. A funcionalidade é o ponto de partida, as casas correspondem a arquitetura de container, são feitas em escalas padronizadas e parecem pequenas caixas com a função de abrigo, já os edifícios empresariais são verticais, cobertos de vidro e simetria. A arquitetura moderna aparece em decadência, com exceção de algumas empresas ainda em utilização.
A crítica à arquitetura moderna (arquitetura de container), conferida também pela arquitetura fílmica do filme em questão, se dá pela falta de relação com o ambiente, solitária, a arrogância dos prédios de escritórios, lojas de departamentos, universidades, centros de convenções monumentais, brutais sucessores da arquitetura de bunker, produção em massa de casinhas de cachorros, destruição da cidade para o bem do automóvel. São argumentos que não provocam dissenso. (HABERMAS, 1987).
Além do exterior, no plano inicial da sequência 4, o interior da casa do protagonista é apresentado, e é possível notar que se trata de um cômodo apenas, em formato retangular ou quadrado que comporta todas as funções de uma residência. A casa não tem identidade, é apenas uma máquina de morar (uma das premissas da arquitetura modernista).
Em Elysium, como mencionado anteriormente, o padrão de vida é outro e isso reflete na arquitetura. Ao invés do cinza predominar, o branco é utilizado dentro e fora das casas e edifícios. Como se trata de um lugar no espaço, Elysium é toda envolta em tecnologia, naves, computadores, etc. reafirmando o caráter de ficção cientifica.
No interior d
Considerações finais
A arquitetura possui uma história longa e acompanha o desenvolvimento da humanidade. Suas características, suas abordagens e materiais utilizados refletem o contexto daquele período. Ao longo de seu desenvolvimento foi dividida em estilos, possibilitando um estudo mais específico da Arquitetura.
Já o Cinema possui uma história relativamente nova, mas não menos complexa. Na tentativa de compreender essa arte várias teorias e especulações surgiram a fim de definir sua função, seus processos e seu materiais. Com a introdução da teoria do cinema no mundo universitário o estudo do cinema se tornou mais disseminado entre os meios acadêmicos.
Como mencionado anteriormente, a cidade, a arquitetura têm uma relação íntima com o cinema desde o seu surgimento. Passando de um simples cenário a agente fílmico fundamental e ativo. Por fim, a análise realizada no filme Elysium demonstra como a arquitetura é um elemento que pode desempenhar papel crítico, técnico e criativo dentro do espaço fílmico. A arquitetura por si só já reflete o contexto social em que está inserida, e unida ao cinema, outras possibilidades surgem para representar um recorte da realidade.
Para entender a importância da arquitetura fílmica com papel fundamental legitimador e crítico, é recomendado um exercício imaginativo. Feche os olhos e tente imaginar um filme em o tempo se passa no século XV, mas que a arquitetura é referente ao século XXI, por exemplo. A contradição é gritante, o espectador ficaria confuso e o filme iria parecer uma comédia e irreal. Mesmo filmes com arquiteturas fictícias, elas certamente nos passam uma sensação de que aquele espaço fílmico e tempo mostrado no enquadramento é real.
REFERÊNCIAS
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Filmografia
ELYSIUM. Neil Blokamp. EUA: Sony. 2013
METRÓPOLIS. Fritz Lang. Erich Pommer. Alemanha. 1927