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O Papel Da Relação Professor E Estudante No Enfrentamento Das Dificuldades De Leitura E Escrita Dos Discentes Universitários

Andrea Santana de Oliveira

Resumo: O ingresso no Ensino Superior é marcado por um processo de transição bastante complexo que exige que os estudantes se adaptem muito rapidamente a uma nova rotina de exigências e cobranças. Nesse novo contexto, muitas dificuldades emergem. Dentre as quais às relacionadas ao letramento acadêmico tornam-se mais frequentes. Nesse cenário, o estabelecimento de uma relação professor e estudante dialógica e afetiva, torna-se essencial. O presente trabalho emerge de uma pesquisa que objetiva apresentar as principais dificuldades referentes ao letramento acadêmico, evidenciadas por estudantes de uma universidade pública baiana e o papel de uma relação professor e estudante acolhedora e afetiva para o enfrentamento de tais dificuldades. A pesquisa que originou esse trabalho ancora-se nos princípios da abordagem qualitativa. Para coleta das informações foram realizadas entrevistas narrativas individuais. As discussões aqui tecidas contaram com as contribuições de Coulon (2017); Ribeiro (2010); Mateos (2009); Castelló (2009); Masseto (2003). O trabalho evidenciou que os estudantes experimentam diversas dificuldades com o letramento acadêmico e que apesar da relevância de uma relação professor e estudante mais dialógica para a superação das mesmas, tal relação tem sido mantida apenas com uma pequena parcela de docentes.   

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OLIVEIRA, Andrea Santana de. O Papel da Relação Professor e Estudante no Enfrentamento das Dificuldades de Leitura e Escrita dos Discentes Universitários. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2021 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/154-o-papel-da-rela%C3%A7%C3%A3o-professor-e-estudante-no-enfrentamento-das-dificuldades-de-leitura-e-escrita-dos-discentes-universit%C3%A1rios. Acesso em: 16 out. 2025.

O Papel da Relação Professor e Estudante no Enfrentamento das Dificuldades de Leitura e Escrita dos Discentes Universitários

A inserção dos estudantes no Ensino Superior é marcada por uma série de mudanças na vida desses sujeitos, bem como, nas próprias relações que os mesmos estabelecem com o saber. O ambiente muda, a rotina também e os estudantes são cada vez mais cobrados a tornarem-se sujeitos autônomos sobre sua própria aprendizagem. No entanto, diante de tantas mudanças e exigências muitas dificuldades emergem, causando por vezes angústias e inseguranças em tais sujeitos.

Dentre as principais dificuldades vivenciadas pelos estudantes do Ensino Superior, destacam-se as referentes ao letramento acadêmico. Os estudantes que nunca tiveram contato com esse letramento em suas práticas de leitura e escrita anteriores à universidade são obrigados a assimilá-lo muito rapidamente, pois, a maioria das atividades desenvolvidas nesse novo contexto utilizam direta ou indiretamente a leitura e escrita acadêmicas.

Neste cenário, uma relação professor e estudante que seja dialógica e acolhedora surge como um fator primordial, pois, a partir do diálogo que os estudantes podem trazer à baila suas principais dificuldades e  juntamente com seus professores desenvolver estratégias mais eficazes para o enfrentamento de tais dificuldades.

Ademais, esse estudo surge a partir de uma pesquisa, já em fase de conclusão, com foco nas percepções de professores e estudantes universitários acerca da leitura e escrita acadêmicas, possibilitando a partir das narrativas dos sujeitos entrevistados a construção das categorias que serviram de base para esse texto. Sendo assim, o presente possui como objetivo principal compreender as principais dificuldades referentes ao letramento acadêmico apresentadas pelos estudantes de uma Instituição de Ensino Superior baiana, demonstrando o papel de uma relação professor e estudante acolhedora e afetiva para o enfrentamento de tais dificuldades.

Esse trabalho está estruturado em quatro seções. A primeira delas é a presente introdução, contemplando informações gerais sobre o estudo. Seguida por três categorias, que compõem o desenvolvimento do mesmo, na primeira intitulada Aspectos metodológicos do estudo, em que há uma breve explanação sobre a ancoragem teórico-metodológica empregada, bem como, o dispositivo de recolha de informações. Em seguida apresenta-se a categoria denominada Dificuldades de estudantes universitários em relação ao letramento acadêmico, em que são apresentadas as principais dificuldades dos estudantes universitários em relação à leitura e escrita acadêmicas a partir das percepções de professores e estudantes entrevistados. Em sequência a categoria denominada Relação professor e estudante na universidade e seus impactos na aprendizagem do letramento acadêmico, demonstra os impactos da relação estabelecida entre professores e estudantes universitários na aprendizagem do letramento acadêmico pelos estudantes, assim como, na superação das dificuldades relativas ao mesmo pelos discentes. Na seção de conclusão, apresentamos as considerações finais revelando os principais movimentos que a pesquisa possibilitou concluir além dos resultados oriundos das narrativas dos sujeitos.

 

Aspectos metodológicos do estudo

A pesquisa que serve de base para esse estudo fundamenta-se nos princípios da pesquisa qualitativa defendida por Minayo (2008, p. 22) que considera que este tipo de pesquisa: “[...] trabalha com o universo dos significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.”

 Sendo assim, numa pesquisa dessa natureza o importante é a subjetivação, pois durante a investigação científica é preciso reconhecer a complexidade do objeto de estudo, rever criticamente as teorias sobre o tema, estabelecer conceitos e teorias relevantes, usar técnicas de coleta de dados adequadas e, por fim, analisar todo o material de forma específica e contextualizada. Na pesquisa qualitativa, o estudo dos sentidos sobre a experiência humana deve ser feito entendendo que as pessoas interagem, interpretam e constroem compreensões sobre o que são e o que fazem.

Como dispositivo de pesquisa, foram utilizados relatos narrativos de  três professores e três estudantes uma universidade pública baiana, produzidos em um momento individual com cada sujeito, por meio do qual foi realizada uma Entrevista Narrativa (EN), a fim de que cada sujeito pudesse relatar, narrativamente, sua compreensão sobre o processo de leitura e escrita que adota na universidade, bem como suas percepções sobre tal processo. Esse dispositivo foi importante, pois evidenciou como cada sujeito, relata e reflete sobre a leitura e escrita acadêmica a partir da sua própria concepção.

       Para mais, é válido destacar que a entrevista narrativa visa estimular o sujeito entrevistado a contar com maior riqueza de detalhes sobre os fatos ocorridos durante sua trajetória de vida. Assim sendo, Jovchelovitch e Bauer (2002, p. 91) apontam que: “Através das narrativas as pessoas lembram o que aconteceu, colocam a experiência em uma sequência, encontram possíveis explicações para isso, e jogam com a cadeia de acontecimentos que constroem a vida individual e social.

        Sendo assim, tais narrativas possibilitaram a aquisição de ricos registros sobre experiências vividas pelos sujeitos, propiciando uma clareza de detalhes bastante relevante. Ainda sobre esse tipo de entrevista Silva (2017, p. 55) afirma que:

A entrevista narrativa configura-se, na abordagem (auto)biográfica, como um dispositivo que nos permite depreender os saberes que um sujeito construiu ao longo de uma trajetória de formação ou até mesmo de vida. [...]

[...] favorece a ordenação e a sequenciação das experiências pelos sujeitos, buscando explicar os acontecimentos que demarcam suas vivências pessoais, na dimensão da vida social [...] permite perceber como os sujeitos abordam os sentidos das trajetórias formativas pelas quais passam [...]. (SILVA, 2017, p. 55)

 

Desta forma, tal dispositivo nos permitiu evidenciar, quais as percepções dos docentes e discentes acerca da leitura e escrita acadêmicas, bem como, as principais dificuldades referentes ao letramento acadêmico apresentadas pelos estudantes e os impactos da relação professor e estudante na superação de tais dificuldades, bem como na aprendizagem da leitura e escritas acadêmicas pelos discentes.

O princípio de análise empregado na referida pesquisa relaciona-se com o compreensivo interpretativo, conforme preconizado por Ricouer (1996) no qual, o processo de compreensão e de interpretação é tecido a partir do movimento de fluidez dos sentidos que emergem da própria narração, logo do próprio princípio elucidativo e de construção de sentidos que o participante produz ao usar a narrativa para construir seus pensamentos e argumentos em torno da leitura e da escrita, como também da relação professor e estudante na universidade. Portanto, neste movimento de análise, almejou-se conhecer e analisar as principais dificuldades referentes ao letramento acadêmico apresentadas pelos estudantes e numa mesma direção, compreender os impactos da relação mantida entre professores e estudantes universitários para a aprendizagem do letramento acadêmico e superação das dificuldades dos estudantes.

 

Dificuldades de estudantes universitários em relação ao letramento acadêmico

 

            Como é sabido, o ingresso no Ensino Superior tem sido experimentado de maneira bastante árdua pela maioria dos estudantes. Tal momento é marcado por muitos desafios e inseguranças dos mesmos. A rotina não é mais a mesma, as exigências e cobranças são intensificadas e os estudantes muitas vezes se veem perdidos. A este respeito Coulon (2017) entende que:

A passagem do ensino médio ao superior é acompanhada por mudanças importantes em sua relação com o saber: as regras não são as mesmas, elas são mais sofisticadas, complexas, simbólicas e devem ser rapidamente assimiladas pelos novos estudantes.  (COULON, 2017, p. 1.239).

Numa mesma direção, Silva e Ribeiro (2020, p. 51) enfatizam que “[...] a inserção nesse contexto é marcada por diversas situações novas e desafiadoras na vida do estudante universitário que envolvem aspectos diversos das vivências humanas.” Deste modo, nota-se que tal inserção está permeada por novidades e drásticas mudanças na relação dos estudantes com a aprendizagem, bem como até mesmo na sua própria vida.

            Assim, percebe-se que os tais sujeitos acabam sendo pressionados a adequar-se a essa nova realidade em um curto espaço de tempo. De acordo com Coulon (2017), é necessário que os discentes aprendam muito rapidamente o que ele denomina como o ofício de estudante. Tal ofício diz respeito a compreender e assimilar essa nova rotina, regras e códigos da universidade. Deste modo, para dar conta desses novos desafios, segundo o autor, os estudantes devem passar por um processo de afiliação que consiste em ter fluência nesses códigos e regras intrínsecos a esse novo contexto.

Numa mesma direção, Polydoro (2000) enfatiza que ao ingressar no Ensino Superior o estudante se vê diante de variadas demandas, de uma enorme quantidade de informações, da necessidade de assimilar um grande número de papéis exigidos por esse novo contexto, em um curto período de tempo. E assim, dentre as demandas desse novo estudante inclui-se ainda a necessidade de conhecer novos espaços físicos, a assimilação de novos valores e responsabilidades, o domínio da linguagem acadêmica.

Assim, percebe-se que as dificuldades em relação à leitura e escrita dos estudantes também podem estar relacionadas a este complexo processo de adaptação que os estudantes universitários atravessam, pois, assim como definem Silva e Oliveira (2021, p. 2): “No Ensino Superior [...] a escrita atravessa as mais variadas áreas do conhecimento e possui estreita relação com o sucesso ou fracasso dos estudantes.”. Como é sabido, a leitura também está presente de forma bastante ativa nas mais variadas atividades desenvolvidas no contexto universitário, podendo impactar também significativamente no desempenho acadêmico dos discentes.

Partindo para tais dificuldades, Mateos (2009) destaca as mais comuns referentes à leitura enfrentadas pelos estudantes universitários:

Presentan dificultades a la hora de identificar las ideas globales y de establecer relaciones entre ellas, de organizarlas y jerarquizarlas; hacen pocas inferencias y apenas elaboran las ideas a partir de sus conocimientos previos; no suelen adoptar una  posición crítica frente a los textos y no tienden a reflexionar sobre su conocimiento y a revisarlo a partir de lo que leen. (MATEOS, 2009, p. 113)

Segundo o referido autor, são múltiplas as dificuldades em relação à leitura apresentadas pelos estudantes. O que infelizmente acaba por impulsioná-los a realizarem uma leitura pouco crítica e reflexiva, conduzindo-os para a realização de uma leitura apenas reprodutiva.

            Diante disso, a partir das contribuições dos colaboradores deste estudo1, foi possível conhecer e compreender as principais percepções dos estudantes universitários sobre suas dificuldades referentes à leitura e à escrita acadêmica. No que tange às dificuldades no âmbito da leitura, observa-se que os estudantes percebem que as mesmas relacionam-se à linguagem dos textos acadêmicos trabalhados na universidade, como é possível verificar nas narrativas das estudantes Liz e Ane:

Tive muita dificuldade nas leituras, alguns textos eram mais tranquilos. Mas, haviam textos que eu não conseguia entender nada e além disso tinha aquela pressão do professor de que tínhamos que ler os textos pra chegar na próxima aula e ter que contribuir de alguma forma e isso era muito pesado. Na verdade, é pesado até hoje, pois nós temos vontade de ler um texto pra entender e contribuir sim, mas tive muita dificuldade de entender, pois são textos científicos, acadêmicos de vários tipos e a gente acostumada com aqueles textos básicos da escola e quando chegamos na universidade temos esse baque. (Liz, Entrevista Narrativa, 2021)

Eu acredito que isso é porque a linguagem do texto é um pouco mais difícil do que a linguagem que a gente tinha contato antes de entrar na universidade e também pela quantidade, é uma grande quantidade de textos solicitada de uma vez só. Então, acho que isso causa um cansaço também. Mas, acho que o que mais influencia é a linguagem. (Ane, Entrevista Narrativa, 2021) 

Nas narrativas, como dito, a própria linguagem dos textos científicos difere da linguagem dos textos que as estudantes tinham contato em suas experiências anteriores à universidade, fato que, segundo as narrativas, se configura como um fator que compromete processos de aprendizagem.  Além disso, percebe-se que a estudante Liz ressalta que sente vontade de compreendê-los. Entretanto, nem sempre consegue e ainda queixa que se sente pressionada pelos professores a realizar as leituras e contribuir com as discussões em sala. 

Ademais, outro fator que a estudante Ane já começa a pôr em evidência são as demandas de leitura que, segundo ela, é algo que lhe causa cansaço. E observe-se que isso é algo destacado, também, pela estudante Liz, quando nos diz: “A questão da quantidade de textos também foi algo que tive muita dificuldade. [...] a questão de quantidade, nossa, eu tentei administrar minha escala, só que acabava não dando certo.” (Liz, Entrevista Narrativa, 2021). Na fala da estudante nota-se que a mesma, que hoje encontra-se no 7º semestre do curso, já na reta final de sua graduação, ainda não consegue dar conta das exigências de leituras da universidade, o que se configura como um fator preocupante, pois foi uma questão que ela nunca conseguiu resolver e foi arrastando durante toda sua trajetória na universidade. Então, a partir das narrativas nota-se que ambas as estudantes têm em suas percepções que suas dificuldades relacionam-se com as próprias demandas de leitura impostas pelos professores, às quais as estudantes demonstram considerar excessivas. 

            A partir do exposto emerge a reflexão sobre os impactos desses problemas apresentados pelas estudantes entrevistadas e sobre a aprendizagem da leitura acadêmica. De igual modo, emergem outros conhecimentos que são adquiridos através da leitura. Pelas narrativas, evidencia-se a possibilidade de tais impactos estarem atrelados à essa  tendência dos estudantes universitários de realizarem uma leitura pelo viés da reprodução, fugindo de reflexões concretas sobre o que leem como Mateos (2009) defende ao evidenciar as dificuldades de estudantes do Ensino Superior.

            No que diz respeito às dificuldades em relação à escrita dos estudantes universitários, Castelló (2009) salienta que em geral os estudantes costumam apresentar dificuldades como o desconhecimento das características estruturais e funcionais dos textos acadêmicos, bem como quais as melhores estratégias que deveriam por em prática diante das demandas de escrita:

Así, desconocen las diferencias entre un ensayo y un comentario personal o entre una revisión bibliográfica y una síntesis. [...] es frecuente que no sepan cómo gestionar las citas y, más allá de cuestiones formales, desconocen las diversas funciones que cumplen en el texto o la forma de utilizarlas de manera personal. [...] Tampoco dominan los recursos linguisticos que ayudan a presentar el propio punto de vista en un texto académico sin que resulte coloquial (como por ejemplo, el uso de impersonales, verbos en primera persona o frases nominales. [...] Falta de familiaridad con las demandas y con los objetivos de las tareas de escritura. (CASTELLÓ, 2009, p. 126)  

 Deste modo, compreende-se que segundo Castelló (2009) os estudantes universitários costumam apresentar inúmeras dificuldades referentes à escrita acadêmica. Algo também evidenciado pelos colaboradores deste estudo, pois segundo os estudantes há com frequência dificuldades referentes aos gêneros textuais cobrados na universidade, que de acordo com o que se lê nas narrativas, divergem bastante dos textos que os estudantes produziam no âmbito escolar. Há problemas também em relação à formatação dos trabalhos acadêmicos, pois muitos evidenciam dificuldades referentes às normas técnicas, assim como evidenciam as estudantes Liz, Ane e Hanna:  

Normas ABNT, nossa, não sei, sabe? É o básico, porém não tivemos esse básico. Aí os professores falam, estudem em casa. Mas como? Se nós temos um monte de textos para dar conta, temos um monte de atividades para fazer. Aí fica complicado e minha maior dificuldade com relação à escrita e produção textual é realmente a formatação. [...] O que me pega mais é a questão das referências. Não aprendi, real. Tenho muita dificuldade. Teve semestre de ficar sem dormir, sem conseguir produzir nada. Eu creio assim, que se tivesse mais suporte de todos os professores ou da maioria eu estaria bem melhor da minha leitura e escrita e eu não teria tantas dificuldades. (Liz, Entrevista Narrativa, 2021)

No início também tive uma dificuldade com a escrita, por que quando eu estava na escola não foi ensinado tipo de fichamento, tipo de resumo e quando a gente entra na universidade tem tudo isso né? Às vezes a professora pede um resumo específico, pede um fichamento específico e às vezes a gente não sabe como fazer. Também tive um pouco de dificuldade com as normas da ABNT, as referências também que na escola não foi ensinado.  (Ane, Entrevista Narrativa, 2021) 

Em relação à escrita, minha dificuldade não era nem na escrita em si, mas em relação ao tipo de texto que o professor pedia. Por exemplo, teve uma vez que o professor pediu logo de cara um fichamento e a gente nunca tinha feito um fichamento, nunca tinha tido uma experiência com esse tipo de texto e quebramos a cabeça pra fazer. Lembro que fizemos, mas não fizemos do jeito que era pra fazer, de acordo com o que o professor queria [...]. Então minhas dificuldades iniciais eram justamente em relação a esses textos que na escola não tinha acesso. (Hana, Entrevista Narrativa,2021).

 Assim nota-se que apesar de tratar-se de estudantes de cursos diferentes e em momentos igualmente diferentes de sua graduação, todas evidenciam dificuldades muito semelhantes em relação à escrita acadêmica. As discentes afirmam, enfaticamente, que não conheciam os gêneros textuais trabalhados na universidade, como também desconheciam as regras inerentes à sua produção. O que provoca muita angústia nas estudantes. Ademais, as narrativas apontam para um problema do ensino de produção textual, que na universidade não é tomado como elemento norteador para que o estudante produza o texto obedecendo às regras do gênero solicitado. Em verdade, parte-se do pressuposto de que o fichamento é algo, metodologicamente, conhecido pelos estudantes, não sendo necessário o ensino do mesmo. E isso tem um impacto na qualidade da produção que os estudantes desenvolvem, sem falar nas angústias sentidas por ter que fazer algo que não conhece e que o professor não ensinou.

Acerca disso, Castelló (2009) nos diz que muitas dessas dificuldades relacionadas à escrita dizem respeito ao fato de que as demandas de escrita anteriores à universidade possuíam alguns objetivos diferentes e, assim, exigiam dos alunos escritas diferentes e que os mesmos mobilizassem outros mecanismos para atenderem a tais demandas.

 Ainda a este respeito, Geraldi (2011) no diz que as produções textuais escolares em sua maioria restringem-se às redações, solicitadas pelos professores para que os estudantes demonstrem o aprendido: “Ele está devolvendo, por escrito, o que a escola lhe disse, na forma como a escola lhe disse.” (Geraldi, 2011, p. 123). Sendo assim, é perceptível que a produção textual desenvolvida neste contexto, configura-se com uma escrita com uma tendência reprodutiva e intencionalidade mais restrita e específica. Divergindo, desta forma, das demandas da universidade.     

Tendo ciência disso, o que se percebe a partir das narrativas, é que muitas vezes a produção desses textos foi solicitada sem nenhuma orientação prévia, o que demonstra que no ideário de muitos docentes universitários, os estudantes do Ensino Superior já ingressam na universidade com um total domínio desses gêneros textuais, ainda que as narrativas nos provem o contrário, pois o que se observa é que tais estudantes não tiveram contato com os mesmos em suas práticas de escrita anteriores à universidade, necessitando, portanto, de um ensino por parte dos docentes universitários.

Ademais, resgatando o que diz a estudante Liz, percebe-se que ela também considera as demandas de escrita exaustivas e um fator ainda mais preocupante é que a mesma, que já está na reta final de sua graduação ainda afirma que não conseguiu aprender como referenciar corretamente um texto científico, nos fazendo refletir sobre como essas dificuldades apresentadas pelos estudantes tem sido geridas durante seu processo de formação. 

A partir das narrativas dos docentes entrevistados conseguimos verificar que eles identificam várias dificuldades referentes à escrita em seus alunos. Dentre as quais, conseguimos destacar:

Mas geralmente percebo dificuldades em relação a aspectos gramaticais, e gramaticais assim, desde aspectos que vão desde à acentuação, pontuação, à questões voltadas para coesão e coerência, por exemplo, até iniciar com uma ideia, uma concepção do que estamos pedindo. [...] Então, assim no decorrer do texto vamos encontrando recortes, sem uma articulação entre as ideias. (Mary4, Entrevista Narrativa, 2021)

Textos exageradamente curtos, textos sem costura. O que chamo de um texto sem costura é um parágrafo sem diálogo com o parágrafo anterior. Então, eles têm uma dificuldade na produção de sínteses e de totalidades. (João5, Entrevista Narrativa, 2021)

O que me chama bastante a atenção é que em muitos casos não há uma sequência lógica das ideias. E também além desses aspectos de não ter uma coerência textual, me chama a atenção a questão gramatical, questões relativas à coesão né? Então, conectivos inadequados, concordância verbal de regência, pontuação também, que comprometem o aspecto do texto, o sentido do texto. (Paula6, Entrevista Narrativa, 2021) 

 De acordo com as narrativas, infere-se que os docentes demonstram perceber algumas dificuldades relacionadas à escrita acadêmica evidenciadas pelos estudantes. A partir de suas falas observa-se que eles verificam problemas relacionados à coerência e coesão textual, aspectos gramaticais e dificuldades de sintetizar ideias. Nessa perspectiva, há uma centralidade reflexiva que se ancora nos problemas de linguagem, de estrutura gramatical evidenciada nas dificuldades dos estudantes. Ademais, a docente Mary nos revela que apesar de considerar as dificuldades dos estudantes são bastante preocupantes, consegue perceber alguns avanços dos mesmos no decorrer curso de graduação: “Uma das questões que observo bastante é que nos últimos semestres vai havendo uma maturidade. Percebo os avanços em relação à escrita e também a leitura.” (Mary, Entrevista Narrativa, 2021). Mas, de modo geral, o que se verifica é que as percepções acerca de tais dificuldades apresentadas pelos professores divergem das expressas nas narrativas dos estudantes. Demonstrando um descompasso entre o que os estudantes apresentam como suas principais angústias referentes à escrita acadêmica e o que os docentes conseguem de fato evidenciar. 

            No que tangem às percepções dos docentes sobre as dificuldades de leitura apresentadas pelos estudantes, os docentes explicam que os alunos costumam apresentar uma leitura muitas vezes fragmentada como afirma o docente João: “[...] o que eu diria como problema pedagógico a ser enfrentado é que é uma geração de leitores de fragmentos.” (João, Entrevista Narrativa, 2021). Segundo o docente, os estudantes até leem com frequência. No entanto, suas leituras costumam ser de apenas fragmentos dos textos. Ademais, segundo as narrativas percebemos que segundo os docentes, os estudantes costumam apresentar bastante resistência diante da leitura dos textos acadêmicos como afirma a docente Paula: 

O que a gente percebe é o seguinte: a falta de ler do aluno. Existem resistências, existem reclamações, principalmente com textos teóricos e como estamos na academia a gente não vai ler só a leitura prazerosa. Existem teóricos que são mais complexos, mas são necessários. (Paula, Entrevista Narrativa, 2021).

 Deste modo, pode-se compreender que no que tange às dificuldades de leitura vivenciadas pelos estudantes, os docentes não demonstram ter percepções muito claras. Sendo que ao falarem sobre as mesmas, acabam apresentando tais dificuldades como resultantes dos hábitos de leitura dos próprios estudantes, evidenciando desconhecer as dificuldades que os estudantes expressam em suas narrativas. Sendo portanto, o mesmo descompasso existente em relação às percepções sobre a escrita. Tal realidade pode estar relacionada ao que Mateos (2009) enfatiza, pois, segundo o autor:

[...] en el ambito universitário, es muy frecuente que los profesores “acusen” a la Educación Secundaria de no haber cumplido su función y atribuyan las dificuldades que presentam los estudiantes universitários para leer los textos académicos a que carecen de ese procedimiento elemetal y generalizable que deberían haber adquirido en los niveles educativos anteriores. (MATEOS, 2009, p. 111).

 Nessa lógica, de acordo como o autor, fica visível que muitos docentes enxergam a aprendizagem da leitura como uma aprendizagem geral, como regras e exigências aplicáveis em todos os níveis de ensino. Regras estas, que já deveriam ter sido assimiladas pelos estudantes antes do ingresso dos mesmos na Universidade. Mateos (2009) ainda nos diz que isso decorre do fato da leitura ser vista tradicionalmente como um processo que pode ser aplicado universalmente para aquisição de conhecimentos em qualquer âmbito ou contexto. Todavia, como se pode evidenciar através das narrativas dos estudantes, a realidade se mostra divergente dessa concepção, pois, o que se percebe é que a maioria dos estudantes que adentram no Ensino Superior não se sentem preparados ou até mesmo desconhecem essa leitura trabalhada neste contexto. E apesar dos docentes não culpabilizarem diretamente a Educação Básica em suas falas, a ausência de uma percepção clara sobre as dificuldades de leitura dos estudantes demonstra que de fato eles podem compactuar com tal entendimento. 

Tendo em vista os aspectos apresentados, compreende-se que as dificuldades em relação à escrita e à leitura acadêmica, experimentadas pelos estudantes universitários, são diversas. E estas, variam desde dificuldades relacionadas à sua não familiaridade com os gêneros textuais trabalhados na universidade, passando por dificuldades referentes ao desconhecimento das normas técnicas para as produções textuais, a problemas de coerência e coesão textuais, gramaticais e ainda a dificuldades de sintetizar ideias em suas escritas. A problemática, portanto, perpassa pelas dificuldades na compreensão da linguagem dos textos científicos lidos, a dificuldades também de dar conta das demandas de leitura exigidas na universidade, impulsionando a realização de leituras de forma fragmentada pelos estudantes, levando-os a evitarem realizar algumas leituras. Além disso, foi possível verificar que há um desajuste entre as dificuldades expressas pelos discentes entrevistados e as presentes nas percepções dos docentes. O que nos leva a perceber como tem sido tecida essa relação entre professores e estudantes no âmbito universitário.

 Relação professor e estudante na universidade e seus impactos na aprendizagem do letramento acadêmico

 É relevante destacar que relação professor e estudante em sala de aula historicamente tem sido tecida de forma bastante conflituosa. Seja no âmbito escolar ou no universitário, conflitos entre tais sujeitos emergem trazendo impactos também para as práticas de ensino e aprendizagem desenvolvidas. Ademais segundo Santos e Soares (2011) nas últimas décadas fatores como o aumento das desigualdades sociais somados ao avanço das novas tecnologias que exigem cada vez mais que os docentes busquem aperfeiçoamento das suas práticas educativas têm tornado essa relação ainda mais complexa.

Tais fatores aliados ao autoritarismo docente, que em muitos casos também permeia tal relação, acabam ocasionando ainda mais tensões no ambiente educativo. Neste sentido, Santos e Soares (2011, p. 358) apontam que diversos estudos demonstram que: “[...] relações professor-estudantes hierarquizadas, distantes, autoritárias concorrem para o desinteresse, para a falta de investimento e de confiança do estudante na explicitação e superação de dúvidas, o que compromete a aprendizagem.”.  Numa mesma direção, Ribeiro (2010) também afirma que as dificuldades de aprendizagem dos estudantes são produzidas em sala de aula, na interação pedagógica e são resultado de um não ajustamento entre tais estudantes e seus docentes. Diante disso, fica nítido que relações entre professores e estudantes autoritárias comprometem a aprendizagem dos discentes.

Em contrapartida, relações entre professores e estudantes construídas dialogicamente podem contribuir significativamente para a construção de aprendizagens mais significativas para tais sujeitos. Neste sentido, alguns estudiosos como Ribeiro (2010) e Mateos (2009) trazem à baila os seguintes fatos: As relações entre professores e estudantes podem contribuir para a melhoria de atitudes positivas em relação ao conteúdo das disciplinas escolares a aos professores que as ministram.” (RIBEIRO, 2010, p. 404). Já segundo Mateos (2009),

Mediante la reflexión conjunta, profesor y alumnos pueden explicitar negociar y llegar a compartir los objetivos de la actividad, el plano de acción a seguir, los critérios de evaluación, los logros y las dificultades, así como los medios para superarlas. (MATEOS, 2009, p. 119).

 Assim, fica nítido que uma relação professor e estudante, que seja de fato dialógica, que promova o respeito mútuo entre esses sujeitos, é indispensável no processo de enfrentamento das dificuldades de aprendizagem dos estudantes. Todavia, há que se destacar que no processo de estabelecimento dessa relação, o docente atua como um importante agente, pois, assim como enfatizam Santos e Soares (2011), Tal transição precisa ser liderada pelos professores, por meio de um processo de mediação de aprendizagens significativas [...]. (SANTOS e SOARES, 2011, p. 356). Ademais, tais autores consideram que:

A interação professor-aluno, saudável, complementar, dialógica, só é possível se o professor investe na aprendizagem significativa do estudante, se busca todos os meios de conquistar o estudante para o desafiante processo de se abrir para o novo, de ressignificar as marcas da omissão, da passividade e da memorização, de construir conhecimentos e atitudes de forma ativa e autônoma. (SANTOS E SOARES, 2011, p. 360-361)

Deste modo, é perceptível que os docentes possuem essa notável responsabilidade no forjamento deste tipo de relação. Para mais, Masetto (2003, p. 29) destaca que tal mudança ocorre a partir de uma: “[...] transformação do cenário do ensino, em que professor está em foco, para um cenário de aprendizagem, em que o aprendiz (professor e aluno) ocupa o centro e o professor e o aluno tonam-se parceiros e coparticipantes do mesmo processo.” Ou seja, para que uma relação dialógica se construa é necessário que haja um deslocamento do docente, que passe a se colocar como um ser que também aprende enquanto ensina, contribuindo para que ambos os sujeitos sintam-se importantes no desenvolvimento da prática educativa.

As narrativas possibilitam perceber como tem sido engendrada essa relação na universidade e os impactos da mesma sobre a aprendizagem do letramento acadêmico pelos discentes. Sendo assim, foi possível identificar que os estudantes percebiam que havia diferenças nas relações estabelecidas com seus docentes. Deste modo, havia docentes com quem mantiveram durante sua trajetória formativa uma relação mais dialógica e acolhedora. No entanto, existiam outros com os quais mantiveram uma relação mais distante. Como é possível verificar nas narrativas da estudante Liz:

Tive um professor que me ajudou bastante. Ele sempre dava conselhos pra a gente, dava dicas, não só focando nos assuntos específicos da sua disciplina, mas como um professor amigo, que dava conselhos pra a gente evoluir. [...] Então, pra mim ele foi um professor maravilhoso. Tive outra professora também que foi maravilhosa, pois a forma dela acolher a gente. A forma que acolheu a turma foi bem tranquila. Então, eu me sentia à vontade em chegar pra ela e falar sobre minhas dificuldades e às vezes antes da gente chegar pra falar, ela já tinha aquela compreensão. Já percebia e tentava nos ajudar. (Liz, Entrevista Narrativa, 2021)

Já com a outra professora não tinha como manter uma comunicação, pois ela quase não aparecia nas aulas e quando aparecia não queria ouvir a gente e aí foi criando aquela relação bem desgastante. Praticamente não houve comunicação. Quando um lado fala e o outro não ouve é difícil. (Liz, Entrevista Narrativa, 2021).

Assim, diante das falas da estudante foi possível verificar que a relação que estabelecia com seus docentes variava bastante em decorrência da própria postura dos mesmos. E que ela sentia-se acolhida e mais à vontade para externar suas dificuldades referentes à leitura e à escrita quando os docentes estavam dispostos a ouvi-la e ajudá-la. Em contraste a isso, quando a docente não estava aberta para um diálogo com os estudantes nota-se que há um desgaste na relação estabelecida o que em nada ajuda na superação das dificuldades dos discentes. Ademais, a estudante ainda enfatiza sua angústia ao perceber que essa abertura ao diálogo fazia parte das práticas de uma minoria dos docentes e que em muitos casos o discurso de tais sujeitos era desconexo de suas práticas:

Então, assim quando falo de professores, são específicos, são bem poucos que escutam a gente, que se preocupam em ajudar. E aí, isso é algo que marca o aluno sabe? Na trajetória, pra mim, tem me marcado bastante. Eu vejo que muitos professores falam em serem humanos, porém, na sua prática bem poucos realmente fazem o que falam. Então, eu nem sei a palavra correta pra usar, mas é bem estranho por que as falas deles pouco têm a ver com suas práticas. E quando a gente vê um professor que se preocupa, que é humano, por que pra mim a palavra é essa humano, é tudo diferente, tudo melhor, a gente se sente acolhida. Quando o professor é humano a gente cria uma amizade, um companheirismo. Eu acredito que em qualquer espaço da universidade deveria existir essa relação professor- aluno – acolhimento. (Liz, Entrevista Narrativa, 2021)

 Em sua narrativa a estudante demonstra toda a sua frustração ao perceber que muitos docentes possuem práticas que destoam do próprio discurso. Ao passo que revela o quão o acolhimento torna-se significativo para ela, demonstrando que o considera indispensável para a relação professor e estudante na universidade. Ainda que a mesma perceba que esse acolhimento e escutas provenham apenas de apenas uma pequena parcela de docentes.

 Numa mesma direção, percebeu-se que docente Mary também considera o acolhimento como um fator essencial para a relação professor e estudante e tem total ciência de que as atitudes dos professores são fatores que implicam diretamente nos processos de aprendizagem dos sujeitos, bem como na superação de possíveis dificuldades emergentes:

Desde que ingressei na universidade, uma das questões que me chama bastante à atenção é que a maneira como a gente trata esses estudantes, a maneira como a gente lida com eles, como a gente acolhe esses estudantes, pode ser uma alternativa também para esses estudantes se abrirem e já trazerem pra a gente as dificuldades, antes mesmo de a gente identificar isso através de uma avaliação, de uma atividade escrita que a gente solicite. Percebo que quando a gente estabelece um vínculo, os estudantes chegam até a gente antes mesmo de identificarmos qualquer tipo de dificuldade. Então, queria ressaltar a importância do professor no processo de aprendizagem dos estudantes né. Como mediador desse processo. [...] Uma das coisas que tento presar, é me reportar de que também já fui estudante, de que já vivi essas questões. [...] Por que na verdade a visão que tenho de aprendizagem é essa processual mesmo. Então assim, acredito em boas intervenções e boas mediações. (Mary, Entrevista Narrativa, 2021).

Em sua narrativa, a docente demonstra uma sensibilidade e empatia para com as dificuldades enfrentadas pelos estudantes, chegando a rememorar suas experiências enquanto estudante compreendendo os desafios vivenciados. Ademais, ela parece ter uma percepção bastante clara acerca da importância do estabelecimento de uma relação dialógica com seus alunos no enfrentamento das dificuldades referentes à leitura e à escrita acadêmicas vivenciadas por estes.

Além disso, a docente reconhece a relevância do papel do professor enquanto mediador dos processos de aprendizagem dos estudantes e a necessidade do estabelecimento de um vínculo com tais discentes, o que nos remete a um aspecto bastante relevante para relações estabelecidas entre os sujeitos, sobretudo nos ambientes educacionais, que é a afetividade. A afetividade, segundo alguns estudiosos, entre eles Ribeiro (2010), vem sendo bastante negligenciada nos ambientes educativos. E ainda de acordo com a autora, há diversos significados atribuídos ao termo afetividade, que variam a depender da perspectiva empregada. Sendo assim, esta pode relacionar-se a: “[...] atitudes e valores, comportamento moral e ético, desenvolvimento pessoal e social, motivação, interesse e atribuição, ternura, inter-relação, empatia, constituição da subjetividade, sentimentos e emoções.” (RIBEIRO, 2010, p. 403). Deste modo, a mesma relaciona-se com diversos fatores que são basilares para a vida dos sujeitos, bem como sua formação acadêmica.

Para mais, Ribeiro (2010, p. 404) salienta que a afetividade é: “[...] fundamental na relação educativa por criar um clima propício à construção dos conhecimentos pelas pessoas em formação.”. Em vista disso, compreende-se que a afetividade atua também de maneira decisiva na construção de conhecimentos relativos à leitura e à escrita na universidade, sendo ela, indispensável para o enfrentamento dos desafios referentes ao letramento acadêmico, vivenciados pelos discentes. Além disso, de acordo com Pereira; Ribeiro; Oliveira (2020):

Através da afetividade, acompanhada de amizade respeitosa, alunos e professores encontram um ambiente acolhedor, os discentes recebem as aulas em segurança e os professores ministram suas aulas com maior tranquilidade, sem confrontos desnecessários. (PEREIRA; RIBEIRO; OLIVEIRA, 2020, p. 509).

 Deste modo, compreende-se que a afetividade além de favorecer a aprendizagem do letramento acadêmico pelos estudantes, contribui para o trabalho docente, à medida em que, propicia um clima de maior harmonia em sala de aula, diminuindo a incidência de conflitos.

Ademais, apesar de se considerar toda a relevância do papel essencial do docente na construção de uma relação professor e estudante dialógica, afetiva, embasada no respeito mútuo, o discente também possui uma parcela de responsabilidade neste processo, visto que, o forjamento desse tipo de relação, bem como o enfrentamento às dificuldades de leitura e escrita destes sujeitos exige um empenho de ambos, professores e alunos, pois, como Masetto (2003) aponta:

Não há como promover a aprendizagem sem a participação e parceria dos próprios aprendizes. Alias, só eles poderão “aprender”. Ninguém aprenderá por eles [...] Incentivar essa participação resulta em motivação e interesse do aluno pela matéria, bem como dinamização nas relações entre professor e aluno facilitando a comunicação entre ambos. O aluno começa a ver no professor um aliado para sua formação, e não um obstáculo, e sente-se igualmente responsável por aprender. Ele passa a ser considerado o sujeito do processo. (MASETTO, 2003, p. 28).

Posto isso, fica nítida a necessidade de que os estudantes estejam dispostos e abertos para a construção dessa relação com seus docentes, bem como, para o desenvolvimento de novas aprendizagens referentes à leitura e a escrita, visto que, de nada adianta os docentes investirem nesse processo, se os discentes não compactuarem com o mesmo ideal. Em contrapartida a isso, cabe ao professor o papel de ser incentivador dos estudantes, para que estes possam participar de tal processo, de buscar uma relação dialógica com os professores, bem como a realizar a superação de suas dificuldades. E somente desta forma, será possível enfrentar, de fato, todos os desafios relacionados à escrita e a leitura no âmbito universitário. 

Levando-se em conta o que foi apresentado no decorrer desse texto, foi possível compreender que no que tange às dificuldades referentes à leitura e escrita apresentadas pelos estudantes, sobressaem-se nas narrativas o fato de haver por parte dos estudantes uma não clareza sobre os gêneros textuais trabalhados na universidade, em contraste com as percepções dos professores que apresentam como principais dificuldades dos estudantes questões gramaticais. Para os estudantes, o desconhecimento das especificidades da leitura e escrita acadêmicas lhes provoca muita angústia e inquietação que de algum modo, parecem provocar-lhes um bloqueio em seus processos de aprendizagens.

No entanto, evidencia-se também em suas falas que não há uma preocupação da maioria dos professores para com o desenvolvimento do ensino dessa metodologia inerente à escrita e à leitura acadêmicas, havendo em muitos casos, até uma culpabilização dos estudantes por suas dificuldades com a justificativa de que as mesmas são decorrentes da pouca leitura que estes realizam. Os resultados sugerem que as percepções a respeito das dificuldades de leitura e da escrita apresentam-se distintas para professores e estudantes.

No tocante à relação mantida entre docentes e discentes universitários foi possível perceber que tanto para docentes quanto discentes a manutenção de uma relação professor e estudante de natureza dialógica, afetiva e acolhedora é essencial para a superação das dificuldades referentes ao letramento acadêmico pelos estudantes. No entanto, verificou-se também que a manutenção de tal relação de acordo com os discentes ocorre apenas com uma pequena parcela dos docentes. Tal situação configura-se como uma questão extremamente preocupante, visto que, isso implica diretamente na aprendizagem dos discentes.

 Todavia, há que se destacar que não se pode atribuir total responsabilidade por tal realidade apenas aos docentes, pois, o forjamento dessa relação dialógica e afetiva exige o empenho de ambos os sujeitos partícipes desse processo. Logo, não se pode responsabilizar apenas um dos lados pelo fracasso ou sucesso nas relações estabelecidas entre professores e estudantes na universidade.

1  Em consonância com o Comitê de Ética que aprovou a referida pesquisa, utilizamos a adoção de nomes fictícios para preservar a identidade dos participantes. Os respectivos nomes fictícios foram: Liz (Estudante do curso de Licenciatura em Pedagogia); Mary (Professora do curso de Licenciatura em Pedagogia); Hana (Estudante do curso de Licenciatura em História); João (Professor do curso de Licenciatura em História); Ane (Estudante do curso de Letras Vernáculas) e Paula (Professora do curso de Letras Vernáculas). 

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